domingo, 26 de fevereiro de 2012

Dois novos posts

Hoje mesmo saíram dois novos posts sobre livros. A Norma publicou em seu blog o texto Da série "O que Deus fez por você através da cultura" I, em que faz um comentário baseado no livro How christianity changed the world [Como o cristianismo mudou o mundo], de Alvin J. Schmidt. E eu acabo de publicar em meu blog alguns comentários sobre The challenge of marxist and neo-marxist ideologies for christian scholarship [O desafio das ideologias marxistas e neomarxistas para a academia cristã], organizado por John C. Vander Stelt, no post Empréstimo perpétuo.

A soberania banida XII

Para encerrar esta série, aqui vão dois excelentes parágrafos, retirados do último capítulo. Não é necessário acrescentar-lhes comentário algum. O primeiro é do próprio Wright:

"Há muitos anos, os sociólogos inventaram a expressão 'a localização da realidade suprema' e a usaram para identificar o modo como certas culturas e comunidades se referiam aos padrões supremos ou fontes de significado religioso. Desse modo, eles tinham identificado a importância da questão filosófica da localização da origem suprema do significado para construir uma cultura estável. Analisar como as culturas evoluem a partir da decisão de localizar a referência suprema em algum lugar (neste mundo ou no seguinte, no Estado, numa revelação, numa experiência mística etc.) tornou-se uma atividade sociológica importante, e algumas notáveis descobertas foram feitas. Por exemplo, os filósofos disseram, durante séculos, que o ponto de referência supremo numa cosmovisão ou filosofia tem efeitos importantes sobre como uma cultura resultante dessa cosmovisão pensa sobre Deus e sobre o progresso do mundo. Finalmente, ela influencia o modo como essa cultura trata os seres humanos que estão sob seu poder."

E a segunda citação, que complementa maravilhosamente a primeira, é de autoria de Cornelius Van Til, escrita como parte da resposta a uma crítica ao seu pensamento redigida por Clark Pinnock. Se bem entendi o que houve, tanto a crítica quanto a resposta foram publicadas no livro Jerusalem and Athens. Van Til disse ao seu detrator o seguinte:

"Eu concordo com você que a Escritura deve falar por si mesma. Na verdade, eu quero que ela nos diga o que Deus é, o que o mundo é e o que somos nós como humanos, não depois, mas antes de começarmos a falar de metafísica, epistemologia e ética. Pensar que eu concebo a 'fé cristã' como um 'sistema metafísico abstrato apoiado pelo pressuposicionalismo' é confundir completamente a arremetida total do pensamento reformado. Eu observo, ao contrário, que, como cristãos, devemos olhar para o mundo como o próprio Cristo o fez; e que, se alguém não o olha assim, vê o mundo de modo falso. Consequentemente, a tentativa de encontrar Deus no mundo sem olhar através dos olhos de Cristo é inútil, não porque o mundo não revele Deus (ele continuamente clama em alta voz aos homens sobre a existência de Deus), mas porque os homens precisam de novos olhos."

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Levítico IV

"Esta é a lei do holocausto, da oferta de manjares, da oferta pelo pecado, da oferta pela culpa, da consagração e do sacrifício pacífico, que o SENHOR ordenou a Moisés no monte Sinai, no dia em que ordenou aos filhos de Israel que oferecessem as suas ofertas ao SENHOR, no deserto do Sinai." (Levítico 7.37-38)

Esse trecho, segundo Harrison, é o desfecho de toda a seção inicial do livro. Dá para perceber, de fato, que ele tem cara de conclusão e menciona os principais tópicos já abordados. Contudo, Harrison fornece informações muitíssimo interessantes sobre a forma literária desse trecho; coisas que só um estudioso do antigo Oriente Próximo poderia saber. Segundo o comentarista, trata-se de um "colofão", cuja função é semelhante à da folha de rosto nos livros modernos, embora se situe sempre no final do texto, e não no início. Esse é um procedimento redacional muito comum na antiga Mesopotâmia, e foi identificado em muitas tábuas encontradas em escavações arqueológicas do segundo milênio a.C.. Geralmente, o colofão mesopotâmico continha uma breve designação do conteúdo, a data da composição e o nome do dono ou do escriba. Esses três elementos são facilmente identificáveis no trecho acima. Harrison acrescenta que o Moisés retratado no Pentateuco, tendo sido instruído na cultura egípcia, certamente conhecia os procedimentos de escrita mesopotâmicos, dada a influência da cultura babilônica na época. Na medida em que fui lendo essa descrição, despontou em minha mente a percepção das implicações desse fato contra a teoria de uma autoria tardia da Torah. E, de fato, Harrison não deixou de chamar a atenção para esse fato, já na página seguinte, defendendo também a unidade do texto:

"O colofão em Levítico 7.37-38 marca o término de uma seção importante de matéria legislativa, autentica-a e data-a decisivamente no segundo milênio a.C.. Não pode haver absolutamente qualquer questão deste colofão ser uma falsificação, nem uma retrojeção à época de Moisés por um redator muito posterior. Como outros exemplares do seu tipo da Mesopotâmia, testifica da autoria e data, assim como faz a página de rosto de um livro moderno. O corpo inteiro da legislação dá todas as indicações da antiguidade, contendo exemplos da terminologia técnica sacrificial antiga, alguns elementos da qual já haviam se tornado obsoletos nos tempos de Moisés. A antiguidade e a continuidade das matérias sacerdotais é característica das nações do Oriente Próximo antigo e, portanto, não é excepcional dos antigos círculos israelitas. Não somente pode esta seção ser atribuída na sua totalidade, com completa confiança, ao período mosaico, mas também, por causa da natureza da matéria e do grau de veneração atribuído ao escriba que a compilou, deve haver considerável dúvida se quaisquer modificações textuais, a não ser as mínimas, foram feitas no decurso da história inteira de sua transmissão."

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A soberania banida XI

O livro se encerra com o décimo primeiro capítulo, intitulado A localização da referência suprema e os atributos de Deus: um debate atual. Boa parte do capítulo é dedicada a uma análise dos rumos preocupantes de certos segmentos da teologia moderna, exemplificados na trajetória intelectual de Clark Pinnock, ex-aluno de ninguém menos que F. F. Bruce (eu não sabia dessa). Merece destaque a análise de um debate, publicado no livro Theological crossfire, entre Pinnock e Delwin Brown, um liberal e adepto da teologia do processo que atacou magistralmente a meia ortodoxia que Pinnock sustentava na época (1990) e que, ao que parece contribuiu para a deriva deste em direção a posições cada vez menos bíblicas. O capítulo é muito bom; embora eu discorde de uma de suas afirmações centrais - a de que é contraditório sustentar ao mesmo tempo que Deus é bom porque deseja o bem e que o bem é bom por ser desejado por Deus -, o capítulo é muito bom, e o livro foi muito bem encerrado.

Este ainda não é o último post sobre essa obra de Wright, mas já é tempo de dizer que é um bom livro. Quem leu com atenção esta série de postagens percebeu que, embora eu tenha reservas que considero de não pequena importância, também aprendi dele várias lições valiosas. Encerro este post com mais uma, na qual fica claro o preço que pagamos por entender a mente de Cristo de modo demasiado superficial, seja por desprezar a precisão doutrinária, seja por achar que ela é suficiente por si só em nossa batalha contra o mundo. No parágrafo abaixo, Wright mostra a urgência de buscarmos uma cosmovisão integralmente bíblica.

"Há diversas razões pelas quais essa questão não é enfrentada de modo adequado hoje. A primeira é o antiintelectualismo subjacente de muitos, juntamente com a perda da confiança nas formulações doutrinárias. Os pragmáticos evangélicos modernos portam-se como se pudéssemos nos dar bem sem formulações doutrinárias claras. Segunda, muitos evangélicos não possuem nenhum conhecimento da história do sincretismo perene com o humanismo através dos anos e simplesmente confiam que a teologia conseguirá guardar-se incontaminada do mundo por limitar-se a um punhado de fundamentos-chave. Mas a história mostra algo diferente. Isso não funcionou na igreja primitiva, quando esse fundamento era o Credo Apostólico. Não funcionou na era puritana, quando John Owen discutiu com Richard Baxter a respeito das exigências mínimas para uma igreja estatal razoavelmente abrangente. Não funcionou nos anos 20, quando os fundamentalistas redigiram uma pequena lista de cinco, sete ou dez fundamentos para formar o último muro de defesa contra o modernismo."

No próximo post, encerrarei esta série com duas citações extremamente importantes, que demonstram acima de toda dúvida o valor do capítulo.