terça-feira, 26 de julho de 2011

A soberania banida II

Nota: Escrevi o post abaixo em março do ano passado, numa época em que ainda não havia lido o restante do livro. Mantive o texto como o escrevi, apenas acrescentando alguns comentários entre colchetes.

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Talvez o maior defeito da exposição histórica feita no primeiro capítulo seja sua superficialidade. Eu gostaria, por exemplo, de ter lido uma exposição bem mais aprofundada sobre a posição da teologia patrística diante do tema. Porém, apenas três obras são citadas, e o espaço total dedicado aos quatro primeiros séculos da igreja não chega a duas páginas. Não sei se os temas tratados aqui serão retomados em detalhes adiante, mas o fato é que o conteúdo não chegou nem perto de me satisfazer. [De fato esses temas não voltaram a ser abordados no restante do livro.]

Outro problema, mais pontual e secundário, advém de uma passagem muito estranha na qual Wright parece aprovar a teoria zwingliana sobre os sacramentos, em detrimento da de Calvino, ao dizer que "em Calvino e Zwinglio o sacramentalismo foi eliminado totalmente, sendo substituído pela eficácia da Palavra pregada; e, conquanto a tentativa de Calvino de criar uma ideia mediadora seja ainda hoje pouco entendida, a maioria dos evangélicos é essencialmente zwingliana no seu entendimento dos sacramentos". O conceito de "sacramentalismo" não foi definido de modo suficientemente rigoroso, o que me impede de saber se Wright está ou não correto em sua afirmação de que Calvino o substituiu pela pregação da Palavra. Seja como for, não há sentido em dizer que Calvino eliminou totalmente o sacramentalismo e dizer, no mesmo período, que ele tentou uma conciliação entre a pregação da Palavra e a ministração dos sacramentos. É uma contradição patente.

Isso me leva ao terceiro problema, mais importante. Acredito que um tema tão complexo do ponto de vista filosófico e teológico requer uma mente muito perspicaz e rigorosa. Wright não me convenceu de que possui tais qualidades. Em parte pelo que expus no parágrafo anterior, e em parte pelo uso frouxo que ele faz de termos como "calvinismo", "arminianismo" e "livre arbítrio", fiquei com a impressão de que minha própria posição sobre o assunto não será integralmente analisada ao longo do livro. [E não foi mesmo.]

terça-feira, 19 de julho de 2011

O grande jogo XV

O oitavo capítulo, Sachs na África, discorre sobre todos os velhos problemas do continente africano. Dou destaque a duas coisas ditas por Magnoli, sendo uma correta e a outra não.

A coisa correta é sobre a ajuda financeira dos países ricos, que, ao contrário do que muita gente pensa, ocorre abundantemente. Magnoli denuncia que isso não adianta nada, chegando a citar estudos que mostram que "80% do dinheiro direcionado à África Subsaariana sob essa rubrica, entre as décadas de 70 e 90, retornou em menos de um ano para os países ricos, em geral na forma de investimentos em bancos suíços e ou suntuosas villas no Mediterrâneo". Os casos narrados mostram que o problema da África não é a fictícia falta de caridade do resto do mundo, e sim a corrupção de suas próprias sociedades.

A coisa errada é que Magnoli elogia os programas de combate à AIDS de alguns países, como Senegal e Uganda, atribuindo seu sucesso à distribuição de preservaticos, às campanhas de conscientização das mulheres e ao investimento em saneamento básico. Mas ele não mencionou que esses governos investiram também na difusão das únicas ações realmente eficazes: a castidade dos solteiros e a fidelidade dos casados.

terça-feira, 12 de julho de 2011

A soberania banida

Nota: Escrevi o trecho abaixo há mais de um ano. A leitura do livro já foi concluída.

Estou lendo agora o livro A soberania banida, de R. K. McGregor Wright, que ganhei de presente do meu amigo Jorge Fernandes. Acabo de concluir a leitura do capítulo inicial, intitulado Uma controvérsia antiga e persistente. Neste post, falarei de suas várias qualidades; no próximo, abordarei seus poucos defeitos.

Trata-se de uma exposição interessante sobre a controvérsia acerca da soberania de Deus e a liberdade humana, indo desde os pais apostólicos até Clark Pinnock, passando por Pelágio e Agostinho, Gottschalk e Erígena, Erasmo e os humanistas do Renascimento, os grandes reformadores, os socinianos, Armínio e os remonstrantes, os puritanos ingleses, os iluministas, Wesley e Whitefield, Finney e os reavivalistas, Spurgeon, Lloyd-Jones, Packer, os neocalvinistas holandeses, os pressuposicionalistas dos Estados Unidos (sobretudo Clark e Van Til) e Schaeffer. O autor conta que seu interesse pelo tema teve início durante o período passado com esse último em L'Abri, e se aprofundou ao estudar sob a orientação acadêmica de Pinnock. Embora se refira a seu ex-orientador com grande respeito e simpatia, Wright é firme em sua afirmação de que Pinnock se afastou gradualmente da ortodoxia bíblica, e não esconde que "este livro começa a tarefa de responder ao seu convite para dialogar enfocando a questão central em debate: como tornar o evangelho da graça um desafio para as pessoas cultas que o desprezam".

Dessa forma, a preocupação central do livro é evangelística e apologética. O autor crê que uma concepção errada sobre a natureza do homem decaído é a grande responsável pelos fracassos da igreja na tentativa de trazer novas ovelhas para o aprisco do Bom Pastor.

O capítulo é muito bom pelo enfoque histórico sobre o ponto em questão. A abordagem em si é deveras interessante, e me acrescentou conhecimentos quanto a inúmeros detalhes. Os pontos que ele promete abordar ao longo do livro são muito pertinentes. Além disso, apreciei o valor dado por ele aos neocalvinistas holandeses, sobretudo a Dooyeweerd e Vollenhoven, que vêm despertando minha curiosidade intelectual ultimamente.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O grande jogo XIV

No sétimo capítulo, Faces da globalização, há um pouco de tudo: aquecimento global, tsunamis, tráfico de drogas, racismo, internet e até o BBB, com um interessante (mas curto, e creio que parcialmente equivocado) ensaio sobre a história da privacidade. Mas não vale a pena comentar nada disso; nem mesmo dos pontos com os quais concordo. Limito-me a comentar a única coisa realmente importante que encontrei nesse capítulo: o artigo Siga o dinheiro, que denuncia a profusão de ONGs internacionais (e nacionais também) que se colocam a serviço do globalismo, ameaçam a democracia e, apesar do nome, vivem de dinheiro público. Transcrevo abaixo o parágrafo final do texto, que resume a questão de maneira brilhante:

"As ONGs são grupos privados de interesses. Mas o seu poder de pressão expressa-se como capacidade especial de desviar recursos públicos para uma agenda política que não foi definida pelos cidadãos e escapa ao controle dos mecanismos institucionais da democracia. No fundo, a elite organizada nas ONGs compete vantajosamente com os setores desorganizados da população pela captura de parte da riqueza social. Não se pode pedir às ONGs que coloquem o princípio da independência política acima do vil metal. Mas é razoável exigir dos governos que tratem as ONGs como o que elas dizem ser: organizações não-governamentais."