sábado, 31 de julho de 2010

O grande jogo VIII

Eu mesmo tenho uma porção de críticas à administração Bush e ao neoconservadorismo americano, ou mesmo à direita americana em geral. Contudo, não posso de modo algum endossar as posições de Magnoli a respeito do tema. Tomemos como exemplo a questão da China: os neocons temem a consolidação da China como potência econômica e militar que, por ter uma ideologia oposta aos valores democráticos, poderá causar sérios problemas no futuro. O geógrafo, porém, informa que "a 'obsessão chinesa' dos neoconservadores não tem sentido", pois o gigante asiático tem ajudado a preservar a estabilidade geopolítica da Ásia; além disso, o crescimento econômico chinês "cumpre a função crucial de financiar o déficit externo dos Estados Unidos". Por trás desse último argumento talvez repouse a muito discutível opinião de que déficits são coisas ruins. Com ou sem isso, porém, o recado de Magnoli é bem claro: a China morre de amores pelos EUA e os interesses de ambos combinam muito bem. Se o casamento não der certo, a culpa será toda dos americanos; ou, mais precisamente, dos "neoconservadores". De um jeito ou de outro, o autor acaba sempre voltando a esse ponto, que chega a ser um pressuposto fundamental de todas as suas análises da política internacional: da China à ONU, passando pelo mundo islâmico, todo mundo quer ser amigo dos Estados Unidos. Se os conservadores americanos não fossem tão truculentos, arrogantes e desconfiados, o mundo estaria caminhando muito bem. Logo, são eles os culpados de tudo o que acontece de errado no mundo, incluindo-se aí o que seus inimigos fazem contra eles. Eles são culpados pelas alianças estratégicas entre a China e a Rússia; pelo ódio que o mundo islâmico devota ao Ocidente; pela manifesta incapacidade da ONU para cumprir o que promete aos países-membros; e muitos et ceteras.

No entanto, Magnoli de modo algum se considera antiamericano. Em meio às dezenas de críticas (várias delas puramente caluniosas) aos EUA, ele chega até a dizer algumas palavras contra o antiamericanismo. Num ambiente dominado pelo esquerdismo, como a imprensa brasileira, não é preciso muita coisa para se livrar da pecha de antiamericano: basta dar algumas voltas a mais antes de fazer as mesmas condenações que todo mundo faz. É assim que faz Magnoli, sem fugir às contradições mais corriqueiras dos "antiimperialistas" de plantão. Num certo momento, o autor se queixa de que os neoconservadores "orientam-se por imperativos ideológicos e movem-se ao sabor das projeções abstratas", cavando a própria cova ao deixar de lado os ditames da política prática. Cinco páginas adiante, o mesmo autor os acusa de usar o discurso ideológico para ocultar suas verdadeiras motivações, que brotam do interesse nacional. É assim que ele denuncia que a direita americana não é defensora tão ferrenha da democracia quanto se supõe, já que "admitia uma cuidadosa seleção das 'tiranias' a derrubar". Como se os EUA tivessem poder suficiente para derrubar todas as tiranias do mundo. E como se devêssemos esperar um Magnoli felicíssimo caso isso acontecesse. A julgar pelo tamanho de seu protesto contra a derrubada de Saddam Hussein, fica-se com a impressão de que ele gosta mais da tirania mesmo.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

The consolation of philosophy V

A coesão e continuidade do texto de Boécio são tamanhas que selecionar trechos para transcrição é tarefa difícil. A despeito disso, creio poder expor, por meio de citações, a essência da mensagem contida no Livro III. Neste post, transcrevo uma bela explicação de como o coração humano é desviado para as coisas deste mundo, sendo incapaz de discernir corretamente a fonte de sua própria felicidade. Em linguagem teológica, trata-se do velho processo pecado - idolatria - condenação. O próximo post trará o complemento necessário a essa situação.

"O problema das muitas e variadas metas dos homens mortais lhes traz muita preocupação, e daqui eles prosseguem por diferentes caminhos, mas lutam para atingir um único fim, que é a felicidade. E esse bem é aquele que, se algum homem o alcança, não deseja nada mais. Essa é a mais elevada de todas as boas coisas, e inclui em si todas elas; se algum bem lhe falta, ela não pode ser o bem supremo, pois então foi deixado de fora algo que pode ser desejado. Daí se segue que a felicidade é um estado tornado perfeito pela união de todas as coisas boas. Todos os homens procuram atingir esse fim, como eu disse, embora por diferentes caminhos. Foi implantado pela natureza nas mentes dos homens um desejo pelo verdadeiro bem; mas o erro os afasta em direção a falsos bens e por caminhos errados.

Alguns homens creem que o bem supremo é não sentir falta de nada, e assim sofrem para conseguir riqueza abundante. Outros consideram que o bem verdadeiro é ser o mais digno de admiração, e assim lutam para conseguir lugares de honra e ser mantidos ali por seus concidadãos. Alguns decidem que o bem supremo reside no poder supremo, e assim desejam reinar ou tentam conseguir o favor dos que reinam. Outros pensam que o renome é o maior bem, e portanto se apressam para tornar seu nome famoso pelas artes da paz ou da guerra. Mas a maior parte mede o fruto do bem pelo prazer e pelo desfrute, e esses acham que o homem mais fez é o que se entrega ao prazer.


Além desses, há os que confundem as metas e as causas dessas boas coisas; como aqueles que desejam riquezas para obter poder ou prazer, ou aqueles que procuram poder para obter dinheiro ou celebridade. Nessas coisas, então, e em outras como elas, jaz a meta das ações e orações dos homens, tais como renome e popularidade, que parecem conceder alguma fama, ou esposa e filhos, que são buscados pelo prazer que proporcionam. Por outro lado, o bem dos amigos, que é o mais honorável e santo de todos, não reside no reino da Fortuna, e sim no da Virtude. Todos os outros são adotados pela obtenção de poder ou desfrute. [...]


Não há dúvida, então, de que essas estradas para a felicidade não são estradas e não podem levar homem algum ao fim a que prometem levá-lo. Eu gostaria de mostrar-te brevemente a que grandes males são atadas. Queres amontoar dinheiro? Precisarás tirá-lo de seu dono. Queres parecer brilhante pela glória de grandes honras? Deves ajoelhar diante de seu distribuidor e, em teu desejo de sobrepujar outros homens em honra, deves rebaixar-te, pondo de lado todo orgulho. Anseias por poder? Estarás sujeito aos ardis de todos aqueles sobre os quais tens poder, estarás à mercê de muitos perigos. Procuras fama? Serás arrastado de um lado a outro por caminhos ásperos e perderás toda a liberdade da segurança. Queres gastar a vida em prazeres? Quem não desprezaria e rejeitaria tal servidão a algo tão vil e frágil quanto teu próprio corpo? Quão insignificantes são todas as metas daqueles que colocam diante de si os prazeres do corpo! Quão incerta é a posse deles! Poderás sobrepujar em tamanho o elefante? Tomarás, na força, a liderança do touro ou, na velocidade, a do tigre? Olha para a vastidão dos céus, a força com que permanece de pé, a rapidez com que se move, e cessa por um instante de te admirar por coisas pequenas."

domingo, 25 de julho de 2010

O grande jogo VII

Com relação à invasão americana do Iraque, Magnoli é tão antiamericano quanto quase todo mundo neste país. Seus principais argumentos são dois. Primeiro, ele condena a "unilateralidade" da administração Bush, que não deu bola às recriminações da ONU. Como se essa instituição, com suas ditaduras na Comissão de Direitos Humanos e outros absurdos, devesse ser levada a sério como árbitro entre Bush e Saddam. E como se a ONU já fosse o governo mundial que sempre sonhou em ser. O problema, na verdade, é que, a fim de que a ONU pudesse levar a efeito sua função pacificadora no mundo, os Estados-membros transferiram a ela parte de suas próprias prerrogativas quanto à defesa de seus interesses nacionais contra os abusos de seus inimigos. Mas, se a ONU não tem o poder (nem o desejo, aliás) necessário para cumprir sua parte, que direito tem ela de reclamar se um de seus membros decide resolver o problema por si mesmo?

O segundo argumento de Magnoli é que a administração Bush teria inventado uma justificação para seu ato com base no conceito de "guerra preventiva", pelo qual qualquer governo pode ser destituído com base na mera possibilidade de vir a causar problemas algum dia. Trata-se, é claro, de uma caricatura barata da verdadeira justificativa oferecida para a guerra: num mundo pós-11 de setembro, manter no Oriente Médio um ditador genocida que não cumpre os acordos de inspeção contra armas de destruição em massa era, de fato, uma ameaça à segurança nacional americana. Saddam Hussein não era de modo algum um sujeito inofensivo contra quem foram levantadas suspeitas injustificadas. (Michael Moore também espalhou mentiras dessa ordem em seu Fahrenheit: segundo ele, o Iraque "nunca tinha assassinado um único cidadão americano".) Além de ter expulsado os inspetores da ONU sob os olhos impassíveis de Bill Clinton, Saddam também deu abrigo a terroristas procurados por fazer atentados contra americanos, financiou entidades terroristas que mataram americanos em Israel e empreendeu uma fracassada tentativa de assassinato contra o presidente americano em 1992. Finalmente, Magnoli não menciona as inúmeras conexões entre o governo iraquiano e a Al Qaeda.

Magnoli quer nos fazer crer que não havia justificativas reais para a destituição de Saddam Hussein, e que o governo Bush armou um complô apenas para garantir os interesses geopolíticos e econômicos americanos no Oriente Médio. Não nego, é claro, que houvesse interesses dessa ordem; aliás, os conservadores americanos que apoiaram a guerra também não o negaram jamais. Por si mesmo, esse fato demonstra que a acusação de hipocrisia lançada por Magnoli e por meio mundo não se sustenta de modo algum.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Um mundo com significado IX

O oitavo capítulo, intitulado O ressurgimento da célula viva, transporta a discussão para o plano biológico, combatendo o reducionismo que busca interpretar os seres vivos e suas células em função apenas de sua constituição química. É nesse contexto que Wilker e Witt explicam e defendem a abordagem a ser adotada ao longo do capítulo:

"Existem duas importantes formas de demonstrar que alguma crença ou teoria quanto à natureza é errônea. Poderíamos questionar suas pressuposições fundamentais, por assim dizer, pela força da filosofia pura. O problema com a filosofia, infelizmente, é que ela é uma coisa humana e, assim, há bastante espaço para erros e discordâncias e ainda mais espaço para nos escondermos em casas abstratas de nossa construção. Os antigos filósofos gregos discutiam quantas e quais seriam as substâncias fundamentais da natureza. Um argumento persuasivo erigido contra outro argumento persuasivo. Tudo seria bastante lógico, mas nunca especialmente empírico, pois a natureza ainda não teria muito o que dizer. Outro modo de remover o erro é simplesmente permitir que ele corra a pleno vapor e procurar sua contradição na própria natureza."

Fiquei algo impressionado ao ver esses dois inimigos declarados do materialismo cientificista moderno endossando dessa forma a crença positivista que limita toda discussão racional ao que pode ser apreendido pelos sentidos, considerando puramente subjetivo ou mesmo sem sentido tudo quanto pretenda ir além disso. Ao declarar que a filosofia é "uma coisa humana" que dá espaço a erros, discordâncias e abstrações, os autores deixam implícito que a ciência experimental é uma coisa divina cujos meios de operação são livres de toda abstração e cujas conclusões são infalíveis e inquestionáveis. Trata-se de um absurdo evidente demais para que eu me empenhe em refutá-lo neste post.

É claro que é perfeitamente lícito, para fins de argumentação, restringir a discussão a um campo específico, como o das ciências naturais ou alguma de suas muitas ramificações. Seria, pois, suficiente que os autores procedessem dessa forma, argumentando com rigor a partir dos dados empíricos disponíveis e denunciando com veemência seus opositores quando estes, contrariando suas próprias teses epistemológicas, fogem da argumentação científica para as desculpas ideológicas e pseudocientíficas de sempre. Nesse caso, tratar-se-ia de uma atitude condescendente com a obtusidade do adversário, adotada com objetivos didáticos. Não foi, porém, o que fizeram os autores, que começaram por dar razão aos adversários nesse ponto fundamental, e acabaram produzindo uma crítica que padece do mesmo defeito que denuncia: a incongruência de ir além do dado empírico e, ao mesmo tempo, negar que esse seja um procedimento válido.

A propósito, tendo eu já lido uma porção de críticas e defesas da teoria abiogênica sobre a origem da vida em suas inúmeras variações, estou em condições de afirmar que a exposição de Wilker e Witt sobre o tema deixa a desejar do ponto de vista do rigor científico e da profundidade com que os vários aspectos do problema são abordados. Essa é uma prova adicional de que adotar os vícios intelectuais do adversário não é uma boa maneira de demonstrar seus erros. Não obstante, o capítulo é interessante por algumas das informações transmitidas, bem como pelas referências bibliográficas indicadas ao leitor interessado em se aprofundar no tema.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O grande jogo VI

Publiquei no outro blog um post contendo minhas considerações sobre o posicionamento de Demétrio Magnoli acerca da relação entre o Ocidente e o Islam.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

The consolation of philosophy IV

Um benefício colateral da leitura desse belo livro foi o incremento da evidência de que o homem medieval não era ignorante sobre a posição do homem no universo. A opinião contrária é apenas um mito iluminista. E emprego a palavra "mito" no sentido pejorativo.

"Então eu disse: 'Sabes que a vanglória deste mundo teve bem pouca influência sobre mim; contudo, desejei os meios para dispor as coisas de tal forma que a virtude não envelhecesse em silêncio'. 'Sim', disse ela, 'mas há uma coisa que pode atrair as mentes, a qual, embora seja excelente por natureza, não é levada pela perfeição aos limites extremos da virtude; tal coisa é o amor pela fama e pela reputação, por merecer o bem do próprio país. Pensa, então, sobre isso, e vê que não é senão uma coisa fútil e sem peso. Conforme aprendeste das exposições dos astrônomos, a circunferência da terra inteira não é senão um ponto, se comparada ao tamanho dos céus. Ou seja, se comparas a terra ao círculo do universo, ela deve ser reconhecida como desprovida de qualquer tamanho. E nessa minúscula porção do universo não há senão uma quarta parte, segundo aprendeste da demonstração de Ptolomeu, que é habitada por seres vivos conhecidos por nós. Se dessa quarta parte subtraíres tudo quanto é coberto por mares e pântanos, e todas as vastas regiões de desertos áridos, descobrirás que foi deixado à habitação humana um espaço muito apertado. E pensas em anunciar tua fama e publicar teu nome nesse espaço, que não é senão um ponto dentro de outro ponto tão rigorosamente circunscrito?'"

terça-feira, 13 de julho de 2010

O grande jogo V

O segundo capítulo trata da complexa novela envolvendo os Estados Unidos, o Oriente Médio, Bush, a direita americana, o imperialismo, o islamismo e o terrorismo. Logo no início já se manifesta o horror de Magnoli pela direita americana e pelo Partido Republicano. O articulista sabe que há diferenças significativas entre republicanos e democratas. É verdade que ele crê erroneamente que essas diferenças são maiores hoje que nos tempos da Guerra Fria, mas a simples ciência dessa diferença já basta para colocar Magnoli acima de quase toda a esquerda brasileira.

Segundo o autor, Bush representa a síntese entre o neoconservadorismo e a "direita cristã". O primeiro grupo é composto de "intelectuais internacionalistas que reinterpretam a herança missionária da política externa americana num sentido unilateralista e imperial". A segunda é isolacionista e "guardiã fanática dos valores morais tradicionais". Sem dúvida, Magnoli tem alguma razão em contrapor as duas direitas. Mas as diferenças não o levam a gostar de nenhuma delas; ao contrário, é a semelhança que lhe repugna: "As duas faces da maioria republicana [...] distinguem-se em tudo, exceto na crença de que são portadoras de verdades absolutas". Mas que crime, não é mesmo?

Tem mais: segundo Magnoli, a América de Bush é avessa à Europa, patriótica, xenófoba e fundamentalista; acredita poder descrever a política na "linguagem do Bem e do Mal" e está em guerra cultural contra a modernidade. Traduzindo: a direita americana não é relativista em moral ou epistemologia; não simpatiza com os desvalores da modernidade, nem com a cultura irreligiosa da Europa, nem com os delírios dos globalistas; até se atrevem a ser cristãos em pleno século XXI. Infelizmente, não me parece que a verdade sobre a direita americana seja tão linda (ou horrível, conforme o ponto de vista) quanto Magnoli supõe. Mas, se eu fosse acreditar em Magnoli, passaria a venerar a direita americana.

sábado, 10 de julho de 2010

Um mundo com significado VIII

O sexto capítulo também fala muito de química, mas vai além, tratando também da estrutura fundamental das leis físicas da natureza. Trata ainda das implicações filosóficas e teológicas da cognoscibilidade da ordem natural, do princípio antrópico e do mito evolucionista de que, sendo a vida um fenômeno de fácil ocorrência, o universo deve estar cheio de seres alienígenas. São apresentados alguns argumentos interessantes sobre tudo isso, embora eu creia que um trabalho melhor poderia ter sido feito. Mas chamou-me a atenção de modo especial o tema fundamental do capítulo, que vem expresso já em seu título: Um lar cósmico projetado para o descobrimento. Num certo sentido trata-se do velho dilema proposto por Einstein: "O que há de mais incompreensível no universo é que ele é compreensível". Essa declaração não é mencionada no livro, talvez por um respeito indevido pela figura do famoso físico, mas a mim é inevitável a associação. Sempre penso que a cognoscibilidade do universo só pode ser considerada incompreensível num esquema filosófico materialista, ou então num monismo spinozista e semimaterialista como o de Einstein (escrevi sobre o pensamento religioso de Einstein aqui). O capítulo defende filosoficamente que o fato de a mente humana ser capaz de apreender as leis do universo indica a existência de um Criador. Porém, o texto vai além da pura defesa epistemológica, adentrando em uma porção de detalhes do empreendimento científico. Por exemplo, argumenta que a transparência da atmosfera terrestre a boa parte do espectro eletromagnético, assim como o fato de a radiação carregar informações sobre as condições físicas e químicas de sua fonte, indica que Deus desejava que estudássemos e compreendêssemos as estrelas e planetas. Isso me ocorreu pela primeira vez quando li Perelandra, o segundo volume da trilogia espacial de Lewis; ali, o protagonista visita um planeta todo coberto de nuvens espessas que tornam impossível a observação do céu, de modo que seus habitantes sequer tinham como suspeitar da existência de algo acima do firmamento. Agora, porém, percebo que Deus poderia perfeitamente ter disposto as leis da natureza de modo que jamais chegássemos a discernir alguma ordem por trás dos eventos cotidianos. E, no entanto, aprouve-Lhe manifestar sua glória permitindo que desvendássemos uma infinidade de segredos, do mundo subatômico aos agrupamentos de galáxias, passando pelos inextricáveis labirintos dos organismos vivos. A Ele, pois, toda a glória!

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O grande jogo IV

Ainda em conexão com o tema do post anterior, o internacionalismo e o governo mundial, há um trecho do oitavo capítulo que é muito útil na compreensão de um tema abordado já no primeiro. Magnoli nos conta sobre um relatório, desenvolvido por uma comissão da ONU, no qual são apresentadas propostas para viabilizar as metas de combate à pobreza assumidas pela Assembleia Geral em 2000. O relatório constatou o óbvio: a ajuda financeira dos países ricos não é condição suficiente para a elevação do desenvolvimento econômico dos países pobres, coisa que já sabíamos a partir do exemplo de Cuba, cuja população foi empobrecendo na medida em que uma imensa quantidade de dinheiro soviético ia entrando na conta dos governantes. No caso da África, a situação é mais ou menos a mesma, mas em escala ampliada. O relatório conclui que, seja por corrupção ou por incompetência, os países miseráveis não sabem administrar suas próprias economias, de modo que a ajuda financeira só deve ser dada a "países comprometidos com padrões de gestão e programas de reformas econômicas desenhados pelas instituições financeiras internacionais". Em outras palavras, como bem percebeu Magnoli, o Banco Mundial e as centenas de ONGs vinculadas à ONU dariam dinheiro aos governos africanos em troca da abdicação, na prática, de suas soberanias nacionais.

Esse é um exemplo vívido do alcance dos pretextos usados pelas forças políticas que trabalham em prol de um governo mundial unificado sob a égide da ONU. Em um artigo do primeiro capítulo, O campo de batalha do euro, embora sem tocar no assunto, Magnoli me deu razões para pensar que o mesmo projeto está por trás da unificação monetária da Europa Ocidental. Ele cita o historiador britânico Timothy Garton Ash, que, na aurora do euro, profetizava que a iniciativa dessa unificação dividiria a Europa ao invés de uni-la, dada a ausência de um poder político central capaz de ditar os rumos da política monetária. Magnoli explica: "a União Europeia não é um Estado nacional. Falta-lhe, portanto, a base de legitimidade política para forjar consensos". Mas eu me pergunto: os criadores do euro não sabiam disso? Não acho provável que grandes políticos de alguns dos países mais importantes do mundo ignorem tal obviedade. Por que, então, insistiram nesse projeto? A única resposta que consigo achar plausível é que eles pretendiam, desde o início, usar a unificação econômica como atalho para a unificação política, dando assim, quem sabe, uma forcinha adicional ao estabelecimento futuro do governo mundial.

domingo, 4 de julho de 2010

Desintoxicação sexual

Lembro que, alguns meses atrás, alguém pediu à Norma que discorresse sobre o tema da postura cristã sobre a sexualidade, em especial com relação à questão da masturbação. Na época eu ainda não conhecia o livro Desintoxicação sexual (Sexual detox), excelente trabalho de Tim Challies que trata deste e de outros assuntos relacionados às prescrições divinas para o sexo, sobretudo aos perigos da pornografia. Escrevendo numa linguagem simples, Challies é muito sensato e franco, e não foge das questões importantes que o tema impõe. O livro está disponível para download aqui, mas o pessoal do site iPródigo publicou uma boa tradução dividida em seis partes, como se vê abaixo:

1. "Pornificando" o leito conjugal: uma introdução que expõe a natureza do problema com a pornografia, com ênfase sobre o risco que oferece para a vida conjugal, presente ou futura.

2. Libertando-se: dicas sobre como começar a se libertar do pecado da pornografia, e bons motivos para fazer isso.

3. Uma teologia do sexo: uma exposição sobre o papel adequado do sexo num ser humano espiritualmente saudável, segundo o desígnio de Deus.

4. Sexo egocêntrico: uma breve análise do sexo pervertido. Fala sobre a masturbação, o egoísmo no sexo e a pureza da mente.

5. Desintoxicação: bons conselhos para quem já é casado ou pretende se casar. Combate algumas mentiras que o mundo nos conta sobre o sexo e fornece princípios gerais que devem nortear a conduta sexual de um casal.

6. Liberdade: alguns incentivos e encorajamentos bíblicos à santidade sexual.

Recomendo fortemente essa leitura não só aos que sofrem de alguma forma a tentação da impureza sexual, mas também a todos os que precisam ajudar alguém a superar esse problema. Na verdade, acredito que a leitura será proveitosa a todos os cristãos verdadeiros. Dificilmente haverá entre nós quem nunca precisou lidar com problemas dessa ordem, ou que não possa ser solicitado a ajudar alguém a qualquer momento.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O grande jogo III

O primeiro capítulo, Heranças da Guerra Fria, traz alguns textos dignos de comentário, os quais convergem em torno das questões do internacionalismo e do governo mundial. Já deixei claro o que penso sobre isso em meus comentários ao livro Nem Marx nem Jesus, de Revel. Mas Magnoli apresenta alguns elementos soltos que se encontram, no entanto, unidos por um fio comum.

Há um interessante artigo, Uma fronteira em movimento, no qual Magnoli discute as origens da Doutrina Truman, a estratégia americana de contenção do expansionismo soviético durante a Guerra Fria. O autor deixa no ar a sugestão de que o expansionismo soviético não se deveu ao comunismo, e sim ao nacionalismo dos russos, que "sentiam-se cercados e ameaçados pela hostilidade agressiva do Ocidente, e reagiam estabelecendo esferas de influência cada vez mais largas". Não duvido que a Rússia contenha um elemento expansionista não derivado da ideologia comunista, mas aqui se manifesta uma tendência que se estende por todo o livro: Magnoli jamais critica os inimigos da América (ou dos países ricos, ou do Ocidente em geral) sem sugerir, de modo explícito ou não, que ela tem culpa pelas ações de seus adversários. É um daqueles inconfundíveis cacoetes mentais da esquerda.

De qualquer modo, considero sem cabimento a negação do caráter expansionista do comunismo. Uma das divergências mais famosas entre Stálin e Trotsky reside justamente na acusação, feita pelo segundo ao primeiro, de arruinar o movimento comunista ao abrir mão de seu caráter internacionalista. E quase todos os comunistas que conheço estão do lado de Trotsky. Sem razão, porém, visto que, embora por vias incompreensíveis aos dissidentes internos do Partido, Stálin jamais deixou de praticar uma política expansionista. Isso se deu pela via militar, como na Europa Oriental, onde, após o fim da Segunda Guerra, as tropas soviéticas se mantiveram por muito tempo depois que os americanos abandonaram a metade ocidental do continente. E se deu também pela propaganda ideológica, inclusive nos Estados Unidos, desde os anos 20.

Além disso, não devemos esquecer que o comunismo é filho do iluminismo, que não só manifestou também sua tendência expansionista por meio das guerras napoleônicas, mas também idealizou o primeiro projeto de governo mundial, engendrado no cérebro de Immanuel Kant, como Magnoli nos faz lembrar em outra parte do mesmo capítulo. E, em todas as suas críticas ao imperialismo dos neoconservadores, o autor deixa de dizer que os ideais da política externa neoconservadora são devedoras justamente à teoria trotskista, da qual são uma espécie de versão democrática.