sábado, 31 de dezembro de 2011

O racionalismo dos irracionais IV

Aqui vai a quarta parte de meu comentário ao artigo de Felipe Sabino.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

De como (não) reagir a insultos

"Entre os comentários que se teceram até o presente, houve uma manifestação incomum que quero mencionar somente para tirá-la do caminho. Uma parcela pequena, muito pequena mesmo, das críticas veio carregada de injúrias pessoais em níveis anormais; na verdade, eram tantas num caso que as pessoas responsáveis por sua publicação em dois meios diferentes de comunicação me procuraram pessoalmente com o intuito de obter o meu consentimento. Tive de lhes assegurar que não pretendia propor uma ação legal. Tudo isso me pareceu bastante estranho. Em qualquer debate o normal é que surjam palavras duras, mas não é comum, pelo menos segundo a minha experiência, que elas beirem o limite da difamação.

No entanto, o problema de como comportar-se nessas circunstâncias é facilmente resolvido. Vamos supor que eu seja chamado, publicamente, de cleptomaníaco necrófilo (selecionei cuidadosamente duas alegações que, pelo que sei, não foram feitas). Tenho exatamente duas alternativas. A primeira, que em geral é a que prefiro escolher, é não fazer nada. A segunda é, se o aborrecimento se mostrar intolerável, processar o difamador. Existe uma alternativa que ninguém pode esperar de um homem são: isto é, discutir solenemente os argumentos, arranjar certificados de Saks e Harrods dizendo que ele nunca, de acordo com seu melhor julgamento, roubou um único objeto, obter atestados assinados por dezesseis membros da Royal Society, pelo chefe do Serviço Público, por um juiz do Tribunal de Apelação e pelo secretário do. MCC, afirmando que eles o conhecem quase a vida inteira e que nem mesmo depois de uma noitada o viram, sequer uma vez, espreitando as cercanias de um túmulo.
Não se espera uma resposta desse tipo. Ela nos rebaixaria ao mesmo nível psicológico do detrator. Temos o direito de evitar semelhante situação. Felizmente, o debate não será prejudicado se ignorarmos críticas desse teor, ou alguém associado a elas. Pois contribuições intelectuais que elas contêm outros já as fizeram, com educação e seriedade."


C.P. Snow, em Duas culturas, tratando da recepção anormalmente inamistosa a seu excelente livro: recomendo-o para quem quiser compreender um dos aspectos mais terríveis dos dualismos de nossa época.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Citação VIII: Luís de Camões

"Ouça-me o pastor e o Rei,
retumbe este acento santo,

mova-se no mundo espanto,

que do que já mal cantei

a palinódia já canto.*

A vós só me quero ir,

Senhor e grão Capitão

da alta torre de Sião,

à qual não posso subir

se me vós não dais a mão."


*: "Cantar a palinódia" é entoar um canto com outra música ou em outro tom, donde o sentido de "retratar-se". O poema é destinado à retratação do que noutro o poeta escreveu. [Nota do editor]

(Super Flumina..., em Lírica, org. por Aires da Mata Machado Filho, Belo Horizonte / São Paulo, Itatiaia /Edusp, 1982, p. 147)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Levítico II

Logo no início do comentário propriamente dito, encontrei esta interessante observação sobre o conteúdo dos sete primeiros capítulos, que traz os regulamentos a respeito dos sacrifícios:

"Em contraste com as festas prescritas em Levítico 23, que eram obrigatórias para a congregação de Israel, as ofertas descritas nesta seção eram de uma natureza mais pessoal e espontânea, e visavam a satisfação de necessidades espirituais individuais. Destarte, refletem a liberdade da abordagem a Deus que o cristão possui, salvo que para este último não é necessário nenhum sacerdote mediador, por causa da obra expiadora do grande Sumo Sacerdote. Além disto, o crente pode aproximar-se de um Deus amoroso e perdoador, com arrependimento e fé, independentemente dos formulários cultuais ou estipulações denominacionais, e achar graça para auxílio em tempos de necessidade."

Por trás destas palavras ecoa claramente o entendimento reformado do ofício sacerdotal de Cristo, posicionado pela vontade de Deus, segundo as Escrituras, como único mediador entre Deus e os homens. Do fato de que nosso Sacerdote mediador é o próprio Cristo se segue a natureza direta e pessoal da relação entre Deus e o crente, dispensando todo o aparato ritual e institucional. Conforme ressaltou a Norma em seu post sobre o livro Calvinismo, de Kuyper, essa doutrina contrasta fortemente com o ensino católico da mediação entre Deus e o homem oferecida pela hierarquia eclesiástica. E também nisso se evidencia o caráter judaizante do catolicismo, que a Norma registrou neste outro post, seguindo as perspicazes pegadas dos reformadores. Mas é interessante descobrir que mesmo a lei cerimonial do Antigo Testamento, prefigurando a plena liberdade proporcionada pela habitação do Espírito de Cristo em nossos corações, concedia um espaço maior do que muitos supõem à liberdade na adoração, na intercessão e na contrição.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Citação VII: Jean-François Revel

"Eu não acredito que a pobreza extrema seja um impedimento à participação na democracia. Nós temos, na Índia, centenas de milhões de analfabetos. Este número diminuiu, é claro, mas no começo da democracia indiana era essa a situação. Mas, como eleitores, eles sabiam muito bem o que queriam e esse seria o motivo para impor-lhes uma ditadura. Agora, se vocês quiserem uma explicação, a compreensão da situação em que nós estamos, ou seja, designar um dirigente que parece compreender os interesses do povo; na pobreza é melhor poder designar os seus dirigentes do que não. Vejo que este é um argumento que sempre me deixou estupefato: que a pobreza seja um obstáculo ao exercício da democracia ou dos direitos democráticos. Acho que, pelo contrário, é uma razão a mais para se ter a democracia. Pois o que é a democracia? É poder designar os seus próprios dirigentes e poder retirá-los, quando não estamos satisfeitos. Parece que são os pobres que têm mais necessidade disso do que os ricos, porque eles, os pobres, sofrem mais sob governos ruins. Portanto, acredito que a democracia é um remédio para o desenvolvimento e não um luxo que tem que ser atingido para o dia em que formos ricos."

(O Estado e o indivíduo, org. por Carlos Tavares e Mario Chamie, São Paulo, Serviço Social do Comércio, 1985, p. 30-31)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O racionalismo dos irracionais III

Aqui vai a terceira parte de meus comentários ao texto de Felipe Sabino de Araújo Neto.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A soberania banida IX

O capítulo oito, Uma expiação eficaz, trata não só sobre o tema da expiação limitada, mas sobre a doutrina da expiação em geral. Achei seu tratamento um tanto superficial e incompleto; a melhor abordagem resumida que conheço sobre o tema ainda é a de Louis Berkhof em sua Teologia sistemática. Apesar disso, o capítulo é bom, especialmente ao ressaltar que qualquer teoria que negue o valor penal e vicário objetivo do sacrifício de Cristo acaba contendo, de um modo ou de outro, elementos de uma teoria do exemplo moral. É o caso da teoria governamental do arminiano Hugo Grotius, pela qual, segundo Wright, Deus pretendia, com o sacrifício de Cristo, apenas induzir os pecadores ao arrependimento demonstrando-lhe a pena merecida por seu pecado.

Aproveito para comentar também o nono capítulo, denominado Há 'versículos arminianos' na Bíblia?. Não gostei muito dele, especialmente porque ali Wright me acrescentou pouquíssima coisa e destilou de novo seu racionalismo segundo as linhas que já critiquei nas postagens anteriores. Mas valeu a pena por essa citação de The Death of Death in the Death of Christ, livro de John Owen que ainda preciso ler:

"Deus impôs a sua ira devida aos homens, e por causa dela Cristo suportou as dores do inferno, seja por todos os pecados de todos os homens, ou por todos os pecados de alguns homens, ou por alguns pecados de todos os homens. Se foi por essa última opção, todos os pecados de alguns homens, então todos os homens têm alguns de seus pecados pagos, e nenhum homem será salvo. [...] Se foi pela segunda opção, que é a que sustentamos, Cristo sofreu por todos os pecados de todos os eleitos no mundo. Se é a primeira, por que, então, não são todos libertos da punição de todos os seus pecados? [O arminiano] dirá: 'Por causa da incredulidade deles; eles não crerão'. Mas essa incredulidade é um pecado ou não? Se não, por que deveriam eles ser punidos por ela? Se é [um pecado], então Cristo sofreu a devida punição por ela (ou não?). Se sim, por que deve isso impedi-los, mais que seus outros pecados pelos quais ele morreu, de partilhar do fruto de sua morte? Se ele não morreu por esse pecado, então não morreu por todos os pecados deles."

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O racionalismo dos irracionais II

Aqui vai a segunda parte de minhas considerações sobre o artigo O irracionalismo dos irracionais, de Felipe Sabino de Araújo Neto.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Citação VI: G. K. Chesterton

"A Revolução Francesa foi realmente uma coisa heróica e decisiva, porque os jacobinos desejavam algo definido e limitado. Desejavam as liberdades da democracia, mas também os vetos da democracia. Desejavam ter votos e desejavam NÃO ter títulos [de nobreza]. O republicanismo teve um lado ascético em Franklin ou Robespierre assim como um lado expansivo em Danton ou Wilkes. Portanto, eles criaram algo que tinham uma forma e uma substância sólidas, o quadrado definido pela igualdade social e a prosperidade dos camponeses da França. Mas desde então a mente revolucionária ou especulativa da Europa foi enfraquecida pelo expediente de fugir de qualquer proposição por causa dos limites dessa proposição. O liberalismo degenerou em liberalidade. Os homens tentaram transformar o verbo "revolucionar" de transitivo em intransitivo. O jacobino poderia dizer a você não só aquilo contra o que ele se rebela, mas também, o que é mais importante, aquilo contra o que ele JAMAIS se rebelaria, o sistema no qual ele confia. Mas o novo rebelde é um cético, e não confiará inteiramente em coisa alguma; ele não tem lealdade. Por isso, ele nunca poderá ser realmente um revolucionário. E o fato de que ele duvida de todas as coisas realmente fica em seu caminho quando ele quer denunciar alguma coisa. Pois toda denúncia implica uma doutrina moral de algum tipo; e o moderno revolucionário duvida não só da instituição que denuncia, mas da doutrina com base na qual o faz. Assim, ele escreve um livro reclamando que a opressão imperial insulta a pureza das mulheres, e depois escreve outro livro (sobre o problema do sexo) no qual ele próprio a insulta. Ele maldiz o sultão por causa das jovens cristãs que perderam a virgindade, e depois culpa a sra. Grundy porque elas não a perderam. Como político, ele clamará que toda guerra é um desperdício de vida, e depois, como filósofo, que toda vida é um desperdício de tempo. Um pessimista russo denunciará um policial por matar um camponês, e depois provará, pelos mais elevados princípios filosóficos, que o próprio camponês deveria ter se matado. Um homem denuncia o casamento como uma mentira, e depois denuncia os devassos aristocratas por tratá-lo como tal. Diz que a bandeira é uma quinquilharia, e depois culpa os opressores da Polônia ou da Irlanda por desprezarem essa quinquilharia. O homem dessa escola vai primeiro a um encontro político, onde reclama que os selvagens são tratados como se fossem animais; depois, pega o chapéu e o guarda-chuva e vai a um encontro científico, onde prova que eles são praticamente animais. Em resumo, o moderno revolucionário, sendo infinitamente cético, está sempre empenhado em destruir seus próprios fundamentos. Em seu livro sobre política, ele ataca os homens por pisarem na moralidade; em seu livro sobre ética, ataca a moralidade por pisar nos homens. Portanto, o homem moderno em revolta se tornou praticamente inútil para todos os propósitos da revolta. Por se rebelar contra todas as coisas, perdeu o direito de se rebelar contra o que quer que seja."

(Orthodoxy)

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O racionalismo dos irracionais

Acabo de dar início à série sobre o artigo de Felipe Sabino de Araújo Neto no outro blog.

domingo, 20 de novembro de 2011

Levítico

Tendo concluído a leitura do comentário de Calvino à Epístola aos Hebreus, dei início à leitura de Levítico, um livro do Antigo Testamento muito relacionado à epístola anônima. O comentário de que me sirvo agora é Levítico: introdução e comentário, de Roland K. Harrison, professor de Antigo Testamento no Wycliffe College, da Universidade de Toronto. A edição brasileira é parte da excelente Série Cultura Bíblica - também conhecida como "comentários das bolinhas", em alusão à capa.

Na introdução de vinte e poucas páginas, Harrison traz um excelente panorama do livro a ser estudado, contendo considerações sobre a natureza da obra, sua autoria e data de composição, sua unidade, seu propósito, sua teologia, sua relação com o Novo Testamento e algumas questões referentes aos melhores manuscritos disponíveis. (O autor endossa o ponto de vista de Gleason Archer, isto é, que o Texto Massorético é geralmente, embora nem sempre, mais confiável que o Texto Samaritano e os textos aparentados à Seputaginta. Escrevi sobre isso aqui.) Merece destaque a excelente exposição, embora não minuciosa, das falácias dos métodos hermenêuticos liberais que, seguindo a abordagem de Astruc, Graf e Wellhausen, atacaram violentamente a unidade do texto e postularam uma composição tardia, entre os séculos IX a V a.C. - negando, portanto, a autoria mosaica, quando não a própria existência de Moisés.

Apesar de tudo isso ser muito interessante, a parte de que mais gostei foi a apreciação teológica. O trecho seguinte traz um belo resumo da ainda mais bela mensagem fundamental transmitida pelo terceiro livro da Lei:

"A legislação geral de Levítico demonstra que toda a vida é vivida sob o olhar vigilante de Deus e, como resultado, não faz nenhuma diferenciação artificial entre o que é santo e o que é secular. Um povo santo transformará pela sua vida coisas terrestres comuns em ofertas belas e aceitáveis diante de Deus. Mediante a habitação dEle dentro deles, serão revestidos de poder para administrar a graça da aliança uns aos outros e para aqueles que estão fora da nação de Israel, conforme surge a oportunidade. O alvo subjacente do ensino é, portanto, garantir que a santidade de Deus possa regular e dirigir cada área da atividade humana."

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Citação V: Alvin Plantinga

"O filósofo cristão, ou teísta, então, tem sua própria maneira de trabalhar. Em alguns casos, existem alguns itens em sua agenda - itens importantes - não encontrados na agenda da comunidade filosófica não-teísta. Em outros casos, itens em alta na comunidade filosófica podem parecer de pouca importância de uma perspectiva cristã. Em ainda outros, o teísta rejeitará hipóteses e visões comuns sobre como iniciar, como proceder, e o que constitui uma resposta boa ou satisfatória. Em ainda outros casos, o cristão vai presumir e vai começar a partir de hipóteses ou premissas rejeitadas pela maior parte da comunidade filosófica. [...] A filosofia é muitas coisas. Eu disse antes que é uma questão de sistematizar, desenvolver e aprofundar as opiniões pré-filosóficas. É isso, mas também é uma arena para articulação e intercâmbio de compromissos e lealdades fundamentalmente religiosas por natureza; é uma expressão de perspectivas profundas e fundamentais, maneiras de ver a nós mesmos, o mundo e Deus. Entre seus mais importantes projetos estão a sistematização, aprofundamento, a exploração e a articulação dessa perspectiva, e explorar suas implicações no resto do que pensamos e fazemos. Mas então a comunidade filosófica cristã tem sua própria agenda; ela não precisa e não deve automaticamente tomar seus projetos da lista daqueles projetos favoritos nos centros filosóficos contemporâneos de ponta. Além do mais, os filósofos cristãos devem estar cautelosos quanto a assimilar ou aceitar procedimentos e ideias filosóficas populares; pois muitas delas têm raízes profundamente anticristãs. E, finalmente, a comunidade filosófica cristã tem um direito às suas perspectivas; ela não está sob nenhuma obrigação de mostrar que tais perspectivas são plausíveis em relação àquilo que é tomado como verdade por todos filósofos, ou a maioria dos filósofos, ou os prominentes filósofos de nossos dias. Em resumo, nós que somos cristãos e nos propomos a sermos filósofos não devemos nos contentar em sermos filósofos que, por acaso, são cristãos; devemos nos esforçar em sermos filósofos cristãos. Nós devemos, portanto, prosseguir com nossos projetos com integridade, independência, e ousadia cristã."

(Conselho aos filósofos cristãos)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A soberania banida VIII

O sétimo capítulo intitula-se Graça e perseverança: a salvação e sua segurança, e trata da defesa dos dois últimos dos assim chamados cinco pontos do calvinismo. O capítulo é interessante, mas apenas dois trechos me pareceram realmente notáveis. Uma é a breve análise, de apenas uma página da passagem de Joao 10 sobre o Bom Pastor, culminando no versículo 28, "Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão", fazendo-me lembrar das belas palavras de Calvino sobre a fonte de segurança que deve emanar dessa promessa para o coração do crente.

O outro trecho interessante está menos diretamente ligado ao tema do capítulo, mas esclareceu uma curiosidade que eu tinha há muito tempo. Aprendi nos livros de teologia do Novo Testamento que a palavra grega para "glória" é doxa. Contudo, aprendi nas aulas sobre filosofia grega na faculdade que essa mesma palavra era usada significando "opinião", a saber, a opinião não esclarecida pela análise filosófica. Qual seria, pensava eu, a relação entre as duas coisas? Wright me explicou: doxa deriva de uma raiz que significa "parecer" ou "aparecer"; essa palavra pôde se referir à opinião não fundamentada "porque as opiniões de uma pessoa são controladas pelo modo como as coisas parecem ser". Mas também pôde refletir a glória divina porque aponta para a manifestação dessa glória.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Citação IV: Jonas Madureira

"Para aqueles que acreditam na singularidade de Deus, a tendência de conquistar o aplauso da modernidade representa a maior de todas as tentações. A sociologia e a psicologia social já mostraram que todos aqueles que começam a viver em outras culturas que não a sua sofrem uma das mais fortes pressões que se pode experimentar: a pressão de estar fora dela. O mesmo acontece com aqueles que vivem uma cultura diferente da cultura dominante. Viver culturalmente 'fora' é como viver no exílio, é o ponto mais difícil da realização social. Por isso, não são poucos, mas muitos, os que abrem mão de suas convicções para serem aceitos, isto é, para não ficarem 'de fora'. Hoje, aquele que afirma a dependência de Deus para o conhecimento da realidade se vê diante de inúmeros desafios, pois está fora dos ditames da modernidade."

(Curso Vida Nova de teologia básica: filosofia, São Paulo, Vida Nova, 2008, p. 131)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O grande jogo XIX

O último capítulo, Terra estrangeira, diz também algumas bobagens, como não poderia deixar de ser, mas o que diz de mais importante é correto e essencial: Magnoli trata da questão das favelas do Rio e seus traficantes como aquilo que realmente é, ou seja, um problema de soberania nacional.

Com isso, encerro meus comentários sobre o livro. Há nele milhões de declarações e interpretações das quais discordo. Várias delas, aliás, chegam a ser absurdas. Entretanto, foi uma leitura muito proveitosa. Também há no livro muitas verdades importantes. Adquiri muitas informações úteis e fui enriquecido com a exposição de interpretações diferentes das habituais em diversos pontos. É um bom livro.

domingo, 30 de outubro de 2011

Citação III: João Calvino

"Todas as coisas que contribuem para o enriquecimento desta presente vida são sagrados dons divinos, mas as contaminamos pelo nosso mau uso delas. Se quisermos saber por que razão, a resposta é que estamos sempre entretendo a ilusão de que continuaremos perenemente neste mundo. O resultado é que as mesmas coisas que nos devem ser assistenciais, em nossa peregrinação ao longo da vida, se transformam em cadeias que nos escravizam. A fim de acordar-nos de nosso torpor, o apóstolo corretissimamente nos convida a uma retrospecção sobre a brevidade desta vida. Disto ele deduz que a maneira pela qual devemos fazer uso de todas as coisas deste mundo é pela consciência de que não as possuímos. Pois aquele que pensa em si próprio como sendo um estranho que atravessa este mundo usa as coisas que lhe pertencem como se elas pertencessem a outro; em outras palavras, coisas que são em caráter de empréstimo por apenas um dia. A questão é que a mente do cristão não deve entulhar-se de imagens das coisas terrenas, ou encontrar satisfação nelas, porquanto devemos viver a vida como se fôssemos deixar este mundo a qualquer momento."

(comentário a 1 Coríntios 7.29, em 1 Coríntios, São Paulo, Edições Paracletos, 1996, p. 230-231)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A soberania banida VII

O sexto capítulo, que trata dos temas da depravação total e eleição incondicional, também é excelente. Impressionou-me particularmente o tratamento bíblico do primeiro tema, não por sua profundidade, pois é apenas um roteiro esquemático de quatro páginas, mas por sua abrangência e clareza. Wright descreve a doutrina bíblica da depravação desdobrando-a em cinco proposições:

1. Desde a Queda de Adão e Eva, todas as pessoas nascem espiritualmente mortas em sua natureza pecaminosa e, portanto, requerem uma regeneração para a vida que elas não possuem naturalmente.

2. Por serem decaídos, o coração e a mente natural são pecaminosamente corruptos e ignorantes.

3. Como a totalidade da natureza está envolvida na Queda e seus resultados, os pecadores são escravos do pecado.

4. Ninguém escapa das tendências iníquas da natureza pecaminosa adâmica.

5. Entregues a si mesmos, os mortos em delitos e pecados não possuem nenhuma capacidade espiritual para reformarem a si mesmos, ou para se arrependerem ou crerem salvadoramente.

sábado, 22 de outubro de 2011

Citação II: Richard Baxter

"Assim como o próprio Cristo ou será recebido com honra ou nem sequer será recebido, assim deve acontecer com a misericórdia e a graça que Ele oferece. Ele não aplicará o Seu sangue e a Sua justiça àqueles que não lhes dão valor. Ele não perdoará tamanha quantidade de iniquidades, nem removerá as montanhas de pecado que se encontram sobre a alma daqueles que não sentem a necessidade de tal misericórdia. Ele não resgatará do poder do mal, da opressão do pecado e das portas do inferno - e não fará membros de Seu próprio corpo, filhos de Deus e herdeiros dos céus - aqueles que não aprenderam a valorizar estes benefícios e que continuam voltados para seus pecados e misérias, e para as frivolidades e vaidades do mundo. Cristo não menospreza o Seu sangue, o Seu Espírito, a Sua aliança, o Seu perdão ou a Sua herança celestial e, portanto, Ele não os dará a ninguém que os despreze até que o ensine a reconhecer o enorme valor de todas essas bênçãos. Você pensa que estaria de acordo com a sabedoria de Cristo conceder bênçãos tão preciosas como estas a homens que não têm coração para valorizá-las? Ora, dar a um homem a justificação e a adoção é mais do que dar a ele todo este mundo visível: o sol, a lua, o firmamento e a terra. Deveriam estas graças ser concedidas a alguém que faz pouco caso delas? Assim Deus não consumaria o Seu propósito. Ele não obteria o amor, a honra ou a gratidão que Ele tenciona receber pelo dom concedido. É necessário, portanto, que a alma seja totalmente humilhada, a fim de que o perdão seja recebido como perdão, e a graça como graça, e não sejam indevidamente negligenciados."

(Richard Baxter, Quebrantamento: espírito de humilhação, Ananindeua, Knox Publicações, 2008, p. 36)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O grande jogo XVIII

O penúltimo capítulo, Preto no branco, trata de questões raciais, e nele se encontram lado a lado verdades profundas e besteiras igualmente profundas, talvez como em nenhuma outra parte do livro. Magnoli faz bem em apontar para a queda na prosperidade dos negros americanos desde a implementação das ações afirmativas, mas atribui as cotas a uma "reação conservadora" com base no fato de ter sido financiada por instituições como a Fundação Ford. A estrutura do argumento é muito simples: se é uma medida não favorece os oprimidos e tem gente rica apoiando, só pode ser coisa da direita. Ocorre, porém, que essa maneira tipicamente esquerdista de encarar a realidade não corresponde aos fatos. Se correspondesse, não haveria explicação para o amplo apoio de bilionários americanos e europeus a eventos como o Fórum Social Mundial, para dar só um exemplo. Nos EUA, todo mundo sabe que os ricaços todos favorecem a esquerda e geralmente apóiam o candidato mais intervencionista, e que quem se opõe às ações afirmativas são os conservadores. Mas Magnoli acha que os defensores das cotas são não só direitistas, mas "ultraliberais", como se criar leis adicionais com base na cor da pele das pessoas fosse um perfeito exemplo de Estado mínimo. Ele também acha que Bush é "ultraliberal", como se o ex-presidente americano não tivesse promovido inchaço estatal algum. Não é de admirar que, diante de tamanha confusão, Magnoli veja como "paradoxal" a adesão do PT às cotas raciais. Ele simplesmente não entende nada do que está acontecendo.

Com base em sua confusão, Magnoli teoriza, com a profundidade de um panfleto eleitoreiro, que "o pensamento ultraliberal enxerga a sociedade como conjunto de consumidores", enquanto "o pensamento de esquerda enxerga a sociedade como conjunto de cidadãos", de modo que a ênfase do primeiro está na igualdade econômica e a do segundo está na igualdade política. Basta dizer que, segundo essa definição, Marx seria de direita e todos os conservadores que conheço seriam de esquerda. É certo que Magnoli não é um marxista, estando mais próximo de ser um herdeiro direto da Revolução Francesa, mas isso não lhe dá o direito de redefinir os termos de maneira contrária à amplamente utilizada só para angariar à esquerda os méritos de seus adversários. Além do mais, a aplicação que ele faz desses conceitos à questão específica das ações afirmativas demonstra simples ignorância histórica. Afinal, não foi Marcuse quem propôs a ação de todas as categorias de excluídos (e não só os pobres) em prol da revolução socialista?

Magnoli diz muitas outras bobagens que não me animo sequer a mencionar, mas o capítulo tem suas qualidades. Por exemplo, ele denuncia de modo mui apropriado que o recente endeusamento de Zumbi dos Palmares está ligado ao desprezo pelos movimentos abolicionistas do século XIX, já que a Abolição em si é interpretada como mera artimanha capitalista. Diz Magnoli que adotar essa versão revisada da história é "obliterar os nomes das sociedades abolicionistas, com seus jornais e heróicos estratagemas que permitiram fugas de milhares de escravos das fazendas. Os revisionistas passaram a borracha na saudação de Raul Pompéia aos escravos rebelados [...]. Eles condenam ao limbo os jangadeiros ceareneses que se recusaram a transportar aos navios os escravos vendidos para outras províncias, os tipógrafos que não imprimiram panfletos antiabolicionistas, os ferroviários que escondiam os negros fugidos em vagões ou estações de trem. A Abolição foi uma luta popular moderna, compartilhada por brasileiros de todos os tons de pele." Só é uma pena que o leitor não tenha sido informado de que Zumbi não foi herói nenhum, e sim mais um dono de escravos, como bem demonstram as pesquisas históricas mais recentes.

Magnoli deve ser um dos mais ferrenhos inimigos das ações afirmativas no Brasil, infelizmente. Pois, com essa ideologia política confusa, ele não tem muita chance de obter sucesso em suas denúncias.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Citação I: Cornelius Van Til

Resolvo inaugurar neste blog uma nova seção, cujo objetivo é trazer citações interessantes, e nada além delas. Para começar, uma de Cornelius Van Til que li na contracapa de um livro do próprio - livro que encontrei na avantajada estante do pastor e amigo Samuel Vitalino na última vez que estive em seu escritório pastoral, em Salvador. Achei a citação tão interessante que fotografei a contracapa que a continha, a fim de não perder seu conteúdo. Como, porém, não tive a esperteza de fotografar também a capa, não poderei fazer a referência devidamente. Contando, pois, com o perdão dos leitores, vamos ao que interessa:

"Sendo autoexplanatório, Deus naturalmente fala com absoluta autoridade. É Cristo, como Deus, quem fala na Bíblia. Portanto, a Bíblia não apela para a razão humana dando-lhe o papel último na justificação do que lhe diz, mas vem ao ser humano com autoridade absoluta, reivindicando que a própria razão humana deve ser entendida tal como a Escritura a descreve, a saber, como criada por Deus e, portanto, apropriadamente sujeita à autoridade de Deus."

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A soberania banida VI

O quinto capítulo, intitulado A salvação como a escolha de Deus: tudo é pela graça, é excelente. A primeira parte trata do ensino de Spurgeon sobre a natureza da vontade depravada do homem não-regenerado. O trecho a seguir, extraído de seu célebre sermão Livre arbítrio, um escravo, resume a questão de maneira deveras interessante. Não posso deixar de lembrar disso toda vez que ouço alguém dizendo que o arminianismo não dá lugar ao orgulho no coração humano.

"É provável que você tenha ouvido muitos grandes sermões arminianos, mas você nunca ouviu uma oração arminiana, porque os santos em oração aparecem como sendo um em palavra, atos e mente. Um arminiano de joelhos ora desesperadamente da mesma maneira que um calvinista. [...] Imagine-o orando: 'Senhor, eu te agradeço porque não sou como os pobres e presunçosos calvinistas. Senhor, eu nasci com um glorioso livre arbítrio; nasci com um poder pelo qual posso me voltar para ti por mim mesmo; tenho melhorado minha graça. Se todos tivessem feito com sua graça o que faço com a minha, todos poderiam ter sido salvos. Senhor, eu sei que tu não nos tornas desejosos se não somos desejosos por nós mesmos. [...] Não foi tua graça que fez a diferença entre nós. [...] Eu fiz uso daquilo que me foi dado, e os outros não; essa é a diferença entre nós.'"

O restante do capítulo trata das origens do movimento arminiano, dos remonstrantes na Holanda e dos cinco pontos do calvinismo, tais como foram declarados em Dort. Wright se baseia em um trabalho de Frederic Platt para argumentar que o arminianismo foi o responsável por abrir espaço, no seio das igrejas reformadas, para o humanismo, o liberalismo, o racionalismo e o latitudinarismo. Embora, felizmente, um arminiano não precise necessariamente enveredar por esse caminho, parece-me que o autor está correto ao apontá-lo como responsável pela abertura de portas que deveriam ter permanecido bem trancadas. Em sua busca por consistência interna, o arminianismo posterior não apenas abriu mão da perseverança dos santos, que Armínio ainda sustentara, mas também abriu espaço para tendências teológicas ainda mais danosas.

Devo registrar, no entanto, que não acho justo culpar o arminianismo pela presença de todos esses males dentro da igreja, sobretudo no caso do racionalismo. Uma repulsa mal orientada pelo arminianismo pode levar a um curso não tão diferente. A tentação libertária do arminiano é a contraparte da tentação determinista do calvinista, e ambas são empréstimos indevidos de cosmovisões alheias às Escrituras. Mas já falei sobre isso nos posts anteriores, e não vou repetir tudo aqui.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Top twenty

Publiquei no outro blog um post contendo uma lista brevemente comentada dos livros que, com boa aproximação, podem ser considerados os mais importantes de minha vida até o presente momento.

domingo, 25 de setembro de 2011

A soberania banida V

O título do quarto capítulo é Autonomismo apóstata: a Queda e a teoria autonomista. A ideia geral aqui delineada é deveras interessante. Wright busca identificar no relato bíblico da Queda o germe dos mais diversos pecados humanos. Primeiro, a distorção das palavras de Deus, tanto pelo acréscimo quanto pela supressão, ambos encontrados na resposta da mulher à pergunta da serpente. Depois, o racionalismo, pois a negação consistente da sentença divina só poderia se basear num conhecimento exaustivo da natureza das coisas. Em seguida, o irracionalismo, decorrente da convicção de que Deus não possui absoluto controle sobre sua criação, o que equivale a torná-la indeterminada, abrindo-se então um campo indefinido de possibilidades. A tensão entre racionalismo e irracionalismo se refletiria a partir de então no célebre "problema do um e dos muitos", que o coração pecador do homem tenderia sempre a resolver em alguma teoria aparentada à "grande cadeia do ser", postulando uma hierarquia que abarca todas as coisas, descendo continuamente do Absoluto até as mais rudimentares formas de existência. Por trás de tudo isso jaz o desejo pela autonomia em relação a Deus e sua Lei.

As conexões feitas por Wright entre os diversos elementos de sua interpretação do Gênesis estão longe de ser claras. Na verdade, a exposição é bastante superficial, e vale mais pelas intuições que pelo rigor. Não posso sequer concordar com seu uso dos termos "racionalismo" e "irracionalismo", que acabam remetendo ao seu determinismo. Apesar de tudo isso, a ideia do capítulo é bem interessante, e creio que há várias verdades importantes aí embutidas. Em especial, também acredito que há uma "religião do homem" para a qual tende naturalmente o instinto religioso não regenerado. Além disso, achei interessante o seguinte trecho:

"É essa cosmovisão pecaminosa que Paulo descreveu como o grande problema humano em Romanos 1, que ele confrontou com os sofismas de Atenas e aos quais ele dá o evangelho de Cristo como uma resposta em 1 Coríntios 1 e 2. Os reinos de Israel e Judá enfrentaram isso nas idolatrias antigas das tribos cananeias. Paulo enfrentou isso em seu próprio tempo na filosofia cultural do helenismo. Lutero encontrou-a na hierarquia da Igreja Católica Romana. Missionários a enfrentam no hinduísmo. Os evangélicos de hoje encontram essa cosmovisão nas novelas fantasiosas de Charles Williams e C. S. Lewis e nas visões ocultistas da Nova Era, e mesmo nas defesas hierárquicas da subordinação das mulheres nas igrejas mais conservadoras."

Em minha opinião, Wright esteve a um passo de detectar um problema muito real em Lewis, que é essa simpatia excessiva pelo modo pagão de pensar - erro que ele adquiriu em parte pela influência de Williams, segundo Colin Duriez (e em parte porque sua cosmovisão nunca deixou de ser meio católica).

Não estou bem certo de que o hierarquismo embutido na "grande cadeia do ser" seja o problema fundamental da cosmovisão humana. Isso não defendido de modo claro e convincente no texto. Mas essas são ideias interessantes que vale a pena ter em mente em investigações futuras.

domingo, 18 de setembro de 2011

O grande jogo XVII

No capítulo 11, intitulado Lula, a nação como família, há comentários bastante interessantes sobre a mentalidade política do ex-presidente, especialmente no artigo A ética de Lula e a nossa. Magnoli resume bem essa visão nas seguintes palavras:

"Lula encarna a tradição do patronato político brasileiro. Vezes sem conta, o presidente definiu a nação pela metáfora da família, na qual ele desempenha o papel de pai provedor, governando com o coração e zelando por todos os filhos, sobretudo os mais fracos. Governar é distribuir privilégios seletivamente: eis o conceito arcaico que sempre emanou do pensamento do Lula-presidente."

Entretanto, Magnoli não nota a profunda semelhança entre a visão que Lula faz de si mesmo e a que a esquerda em geral faz da própria função do Estado. O princípio é o mesmo, embora, sem dúvida, a incultura do ex-presidente o tenha levado a expressá-lo de maneira bastante óbvia e grotesca. Mas Magnoli não percebe isso, e faz uso de vários argumentos, desde pormenores econômicos até bravatas de campanha eleitoral, para provar que o governo Lula não foi de esquerda, que existe um vácuo ideológico no PT, que do socialismo petista só restam "o nome, os símbolos e a memória histórica". O autor chega mesmo a dizer que FHC conseguiu a "conversão ideológica do adversário", como se o próprio FHC não fosse um esquerdista, em primeiro lugar. E acha também que as visões de mundo do PT e do MST são antagônicas.

Magnoli não sabe distinguir entre lentidão revolucionária imposta pelas circunstâncias, concessões puramente estratégicas, e "valores" ideológicos verdadeiros, que resultam em ações concretas rumo a um alvo preestabelecido. As atitudes verdadeiramente comunistas do PT se manifestam de muitas formas, desde as alianças e lealdades internacionais (oficiais ou não, do governo ou do partido) até o auxílio ao próprio MST, que tem se manifestado até nos livros escolares do MEC. O geógrafo não percebe a magnitude do triunfo da ideologia esquerdista no cenário político brasileiro, e é por isso mesmo que lhe falta o senso das proporções quando se trata de classificar ideologicamente as ações de um partido.

No entanto, no que diz respeito ao MST, algumas de suas percepções são interessantes e me parecem corretas. Magnoli chega a constatar que a reforma agrária pretendida pelo MST não tem nada a ver com terras improdutivas ou pobreza dos camponeses: "não é uma política social compensatória, mas a bandeira de uma revolução". Contudo, ele vê nisso um conflito de interesses entre MST e PT que é, na melhor das hipóteses, insignificante. Pois, se o PT não está interessado em fazer uma reforma agrária verdadeira (se é que isso existe), isso não quer dizer que não haja interesses ainda mais importantes em comum.

domingo, 11 de setembro de 2011

A soberania banida IV

Depois de um breve interlúdio (aqui e aqui), para responder às críticas do Dr. Alan Myatt, aqui vai o restante do que tenho a dizer sobre o segundo capítulo da obra de Wright.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A rejeição do racionalismo por Gordon H. Clark

Hoje tomei conhecimento do texto A rejeição do racionalismo por Gordon H. Clark, de Phil Fernandes, publicado no blog do Monergismo em maio deste ano. Duas pessoas pediram minha opinião sobre o texto: minha amada esposa Norma e meu querido amigo Leonardo Galdino. Perguntaram-me se o conteúdo desse texto é válido como contestação ao racionalismo de Clark. Respondo que não, e dou minhas razões nos parágrafos que se seguem. Mas advirto que não farei uma apreciação completa do texto; em particular, não tratarei dos equívocos cometidos na exposição dos filósofos citados, embora haja alguns. Não sei se esses equívocos são do autor do breve artigo ou do próprio Clark; de qualquer modo, eles não são relevantes para o propósito que tenho em mente.

Os argumentos levantados no artigo contra a tese do "Clark racionalista" dividem-se em apenas duas categorias. A primeira é uma listagem de críticas feitas por Clark a diversos racionalistas, puros ou impuros: Agostinho, Anselmo, Descartes e Spinoza. Nenhuma objeção de Clark a teses específicas de algum desses filósofos é apresentada. É-nos dito apenas que Clark os criticou. Seja qual for o conteúdo de suas críticas (que eu conheço em parte), o fato é que essa primeira categoria não tem valor enquanto objeção à tese em questão, pois os diversos filósofos racionalistas também fizeram críticas uns aos outros. Portanto, criticar racionalistas não é motivo sufuciente para que alguém possa se esquivar de ser considerado racionalista.

A segunda categoria, que aparece apenas no último parágrafo, traz apenas duas objeções levantadas por Clark ao racionalismo enquanto tal, à parte de suas manifestações específicas em um ou outro filósofo. A primeira é que as conclusões dos diversos filósofos racionalistas contradizem-se mutuamente. Agostinho, Anselmo, Descartes e Spinoza, por exemplo, produziram sistemas racionalistas conflitantes entre si. Ora, isso está longe de ser sequer uma objeção ao racionalismo, e muito mais longe de ser uma razão para que alguém não seja considerado racionalista. O fato de eu reconhecer que existem várias vertentes teológicas cristãs, por exemplo, não basta para me desqualificar como cristão, e tampouco constitui crítica ao cristianismo. É apenas o reconhecimento de um fato. Dá-se o mesmo com o racionalismo, ou com qualquer outro "ismo". Além disso, se decidirmos considerar Clark um racionalista, essas afirmações continuam sendo verdadeiras: nesse caso, diremos apenas que Agostinho, Anselmo, Descartes, Spinoza e Clark produziram sistemas racionalistas conflitantes entre si.

A segunda objeção é, nas palavras do próprio Clark, que "o racionalismo não produz princípios primeiros a partir de algo mais: os princípios primeiros são inatos". Isso é inexato, em primeiro lugar, porque as ideias inatas dos racionalistas do século XVII eram inatas à mente, não à própria razão, que pode ser uma propriedade dos seres ou um atributo da mente, mas não pode ser confundida com a própria mente. Portanto, para aqueles racionalistas, a razão tinha algo exterior a si mesma sobre que atuar. Clark discorda deles, e atribui esse papel somente às Escrituras. Mas isso só muda o lugar de onde se retiram as premissas, não havendo diferença estrutural alguma quanto ao papel, modo de funcionamento e poder de alcance potencial da razão. A própria definição com que o artigo começa está errada: "Racionalismo é a tentativa de encontrar a verdade por meio da razão somente". Isso, a rigor, nunca existiu. A razão sempre teve, nos diversos sistemas racionalistas, algum material externo a partir do qual trabalhar.

Além disso, não devemos cair no erro de entender o racionalismo em um sentido demasiado estrito, como a se referir apenas a racionalistas do tipo antiempirista do século XVII. Felizmente, o autor do artigo não caiu nesse erro, embora sua descrição se aplique melhor a essa categoria de racionalistas que a qualquer outra, e embora Clark fosse antiempirista convicto (e na maior parte das vezes com razão, segundo creio). Os atuais materialistas de tipo cientificista, que professam um discurso incoerentemente empirista, são também herdeiros do racionalismo, e com frequência portam-se como eles, chegando inclusive a designarem-se por esse nome algumas vezes. O racionalismo é mais amplo que tudo isso, envolvendo uma atitude e um sentimento diante da razão, uma certa confiança em seu poder "redentor" e em sua onipotência. Racionalistas têm um cheiro característico, que aprendi a identificar por já ter sido um (não sei com que grau de pureza), e por tê-lo sentido diariamente ao longo dos oito anos em que frequentei departamentos de física. Quando digo que Clark foi um racionalista, é porque senti esse cheiro até em seus PDFs. Só não me peçam para descrevê-lo, pois daria muito trabalho. O melhor que já consegui fazer nesse sentido apareceu nesta quarta (e última) parte de minha crítica a um artigo de Gary Crampton. Poderei tentar algo mais completo em outra oportunidade, quando estiver devidamente inspirado. Quem já tentou descrever perfumes com palavras sabe o trabalho que dá.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A soberania banida III

Publiquei no outro blog a primeira parte de minhas considerações sobre o segundo capítulo do livro. O restante sairá na próxima postagem.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O grande jogo XVI

Com o nono capítulo, Um sonho de potência, Magnoli dá início ao trecho final do livro, em que está em foco a política interna brasileira sob o governo Lula. Essa parte do livro é muito melhor que a precedente, e nela o autor deixa claro que pertence a uma classe de esquerdistas extremamente rara no Brasil de hoje: a dos que odeiam de fato a ditadura, mesmo quando é de esquerda. Prova disso aparece na denúncia da patente hipocrisia do ex-presidente, que reclamou dos abusos do governo americano contra os terroristas e silenciou diante de situação semelhante perpetrada por Fidel, sob a desculpa de que estava respeitando a política interna do país visitado. O livro é de 2006, e hoje Magnoli teria muitos contrastes adicionais para citar, como aquele entre as atitudes do governo brasileiro frente aos boxeadores cubanos que tiveram a infelicidade de vir fugir da ditadura logo aqui e frente ao homicida italiano Cesare Battisti.

O capítulo traz ainda algumas percepções salutares, geralmente negadas ou ignoradas pelos ideólogos de esquerda, como a do delírio lulista da grandeza brasileira no cenário político global, a tendência claramente socialista dos governos anteriores à ditadura (Jânio Quadros e João Goulart) e a inexistência de um alinhamento sério entre os interesses americanos e a conduta dos militares nos anos que se seguiram. Ele até chega a admitir a honestidade do governo americano ao redigir seus relatórios anuais sobre direitos humanos, que tanto denunciam os crimes dos Estados aliados quanto dos inimigos, e que Lula tentou desacreditar quando foi mencionada a péssima situação do sistema penitenciário brasileiro, ao mesmo tempo em que, como membro da Comissão de Direitos Humanos da ONU, fazia de tudo para não prejudicar os regimes cubano e chinês, dentre outros. O que, aliás, não poderia ser diferente, já que foi graças aos votos desses dois países, além de outros notórios inimigos dos direitos humanos, como Arábia Saudita, Rússia e Argélia, que o Brasil conseguiu uma vaga na referida comissão.

Segue na mesma linha o artigo mais interessante do décimo capítulo, Uma aventura no Haiti, que acausa o governo brasileiro de, por meio de sua presença militar no país, apoiar e fortalecer um governo corrupto e ditatorial.

terça-feira, 26 de julho de 2011

A soberania banida II

Nota: Escrevi o post abaixo em março do ano passado, numa época em que ainda não havia lido o restante do livro. Mantive o texto como o escrevi, apenas acrescentando alguns comentários entre colchetes.

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Talvez o maior defeito da exposição histórica feita no primeiro capítulo seja sua superficialidade. Eu gostaria, por exemplo, de ter lido uma exposição bem mais aprofundada sobre a posição da teologia patrística diante do tema. Porém, apenas três obras são citadas, e o espaço total dedicado aos quatro primeiros séculos da igreja não chega a duas páginas. Não sei se os temas tratados aqui serão retomados em detalhes adiante, mas o fato é que o conteúdo não chegou nem perto de me satisfazer. [De fato esses temas não voltaram a ser abordados no restante do livro.]

Outro problema, mais pontual e secundário, advém de uma passagem muito estranha na qual Wright parece aprovar a teoria zwingliana sobre os sacramentos, em detrimento da de Calvino, ao dizer que "em Calvino e Zwinglio o sacramentalismo foi eliminado totalmente, sendo substituído pela eficácia da Palavra pregada; e, conquanto a tentativa de Calvino de criar uma ideia mediadora seja ainda hoje pouco entendida, a maioria dos evangélicos é essencialmente zwingliana no seu entendimento dos sacramentos". O conceito de "sacramentalismo" não foi definido de modo suficientemente rigoroso, o que me impede de saber se Wright está ou não correto em sua afirmação de que Calvino o substituiu pela pregação da Palavra. Seja como for, não há sentido em dizer que Calvino eliminou totalmente o sacramentalismo e dizer, no mesmo período, que ele tentou uma conciliação entre a pregação da Palavra e a ministração dos sacramentos. É uma contradição patente.

Isso me leva ao terceiro problema, mais importante. Acredito que um tema tão complexo do ponto de vista filosófico e teológico requer uma mente muito perspicaz e rigorosa. Wright não me convenceu de que possui tais qualidades. Em parte pelo que expus no parágrafo anterior, e em parte pelo uso frouxo que ele faz de termos como "calvinismo", "arminianismo" e "livre arbítrio", fiquei com a impressão de que minha própria posição sobre o assunto não será integralmente analisada ao longo do livro. [E não foi mesmo.]

terça-feira, 19 de julho de 2011

O grande jogo XV

O oitavo capítulo, Sachs na África, discorre sobre todos os velhos problemas do continente africano. Dou destaque a duas coisas ditas por Magnoli, sendo uma correta e a outra não.

A coisa correta é sobre a ajuda financeira dos países ricos, que, ao contrário do que muita gente pensa, ocorre abundantemente. Magnoli denuncia que isso não adianta nada, chegando a citar estudos que mostram que "80% do dinheiro direcionado à África Subsaariana sob essa rubrica, entre as décadas de 70 e 90, retornou em menos de um ano para os países ricos, em geral na forma de investimentos em bancos suíços e ou suntuosas villas no Mediterrâneo". Os casos narrados mostram que o problema da África não é a fictícia falta de caridade do resto do mundo, e sim a corrupção de suas próprias sociedades.

A coisa errada é que Magnoli elogia os programas de combate à AIDS de alguns países, como Senegal e Uganda, atribuindo seu sucesso à distribuição de preservaticos, às campanhas de conscientização das mulheres e ao investimento em saneamento básico. Mas ele não mencionou que esses governos investiram também na difusão das únicas ações realmente eficazes: a castidade dos solteiros e a fidelidade dos casados.

terça-feira, 12 de julho de 2011

A soberania banida

Nota: Escrevi o trecho abaixo há mais de um ano. A leitura do livro já foi concluída.

Estou lendo agora o livro A soberania banida, de R. K. McGregor Wright, que ganhei de presente do meu amigo Jorge Fernandes. Acabo de concluir a leitura do capítulo inicial, intitulado Uma controvérsia antiga e persistente. Neste post, falarei de suas várias qualidades; no próximo, abordarei seus poucos defeitos.

Trata-se de uma exposição interessante sobre a controvérsia acerca da soberania de Deus e a liberdade humana, indo desde os pais apostólicos até Clark Pinnock, passando por Pelágio e Agostinho, Gottschalk e Erígena, Erasmo e os humanistas do Renascimento, os grandes reformadores, os socinianos, Armínio e os remonstrantes, os puritanos ingleses, os iluministas, Wesley e Whitefield, Finney e os reavivalistas, Spurgeon, Lloyd-Jones, Packer, os neocalvinistas holandeses, os pressuposicionalistas dos Estados Unidos (sobretudo Clark e Van Til) e Schaeffer. O autor conta que seu interesse pelo tema teve início durante o período passado com esse último em L'Abri, e se aprofundou ao estudar sob a orientação acadêmica de Pinnock. Embora se refira a seu ex-orientador com grande respeito e simpatia, Wright é firme em sua afirmação de que Pinnock se afastou gradualmente da ortodoxia bíblica, e não esconde que "este livro começa a tarefa de responder ao seu convite para dialogar enfocando a questão central em debate: como tornar o evangelho da graça um desafio para as pessoas cultas que o desprezam".

Dessa forma, a preocupação central do livro é evangelística e apologética. O autor crê que uma concepção errada sobre a natureza do homem decaído é a grande responsável pelos fracassos da igreja na tentativa de trazer novas ovelhas para o aprisco do Bom Pastor.

O capítulo é muito bom pelo enfoque histórico sobre o ponto em questão. A abordagem em si é deveras interessante, e me acrescentou conhecimentos quanto a inúmeros detalhes. Os pontos que ele promete abordar ao longo do livro são muito pertinentes. Além disso, apreciei o valor dado por ele aos neocalvinistas holandeses, sobretudo a Dooyeweerd e Vollenhoven, que vêm despertando minha curiosidade intelectual ultimamente.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O grande jogo XIV

No sétimo capítulo, Faces da globalização, há um pouco de tudo: aquecimento global, tsunamis, tráfico de drogas, racismo, internet e até o BBB, com um interessante (mas curto, e creio que parcialmente equivocado) ensaio sobre a história da privacidade. Mas não vale a pena comentar nada disso; nem mesmo dos pontos com os quais concordo. Limito-me a comentar a única coisa realmente importante que encontrei nesse capítulo: o artigo Siga o dinheiro, que denuncia a profusão de ONGs internacionais (e nacionais também) que se colocam a serviço do globalismo, ameaçam a democracia e, apesar do nome, vivem de dinheiro público. Transcrevo abaixo o parágrafo final do texto, que resume a questão de maneira brilhante:

"As ONGs são grupos privados de interesses. Mas o seu poder de pressão expressa-se como capacidade especial de desviar recursos públicos para uma agenda política que não foi definida pelos cidadãos e escapa ao controle dos mecanismos institucionais da democracia. No fundo, a elite organizada nas ONGs compete vantajosamente com os setores desorganizados da população pela captura de parte da riqueza social. Não se pode pedir às ONGs que coloquem o princípio da independência política acima do vil metal. Mas é razoável exigir dos governos que tratem as ONGs como o que elas dizem ser: organizações não-governamentais."

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Produção de mudas e manejo fitossanitário dos citros VI

O sexto capítulo é sobre o controle de plantas daninhas. Experimentos recentes mostram que a presença dessas plantas pode levar a uma queda de até 36% na produtividade de um pomar. Elas não apenas competem com os citros pelos nutrientes disponíveis, mas também transmitem doenças e abrigam parasitas. Os métodos de combate incluem: a boa e velha enxada, ou seus equivalentes mecanizados; a correta escolha da densidade populacional dos citros; o cultivo proposital de plantas não-nocivas, para não deixar espaço às nocivas; o tratamento químico do solo, de modo a torná-lo desfavorável a certas espécies daninhas; herbicidas; uso de quebra-ventos e lavagem de equipamentos e máquinas, para evitar a disseminação de sementes indesejadas.

O sétimo e último capítulo trata da polinização, especialmente por parte da abelha comum, Apis mellifera. As abelhas são as principais polinizadoras de citros em várias partes do mundo. As flores de citros produzem muito néctar, em comparação com outras plantas, e cada árvore pode produzir até cem mil flores por ano. Descobri que o mel produzido a partir do néctar de flores de laranjeira é de ótima qualidade. Estudos mostraram que pomares citrícolas polinizados por abelhas tendem a produzir frutos maiores, melhores e mais numerosos. Por isso, o livro termina apelando para que os citricultores tomem os devidos cuidados para não matar as abelhas junto com os demais insetos durante a pulverização. Isso pode ser feito escolhendo-se adequadamente o horário da aplicação dos inseticidas: as abelhas são mais ativas durante a manhã, de modo que deve-se dar preferência às pulverizações vespertinas.

Gostei muito desse livro, por ter me dado uma visão muito mais ampla dos problemas e maravilhas da citricultura.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O grande jogo XIII

O sexto capítulo, intitulado Identidades da Europa, possui um ou outro mérito isolado, mas contém também alguns dos piores absurdos de todo o livro. Um deles aparece já no artigo inicial, que trata do início das negociações para a entrada da Turquia na União Europeia. Magnoli menciona que o ministro do exterior turco Abdullah Gul obteve essa conquista com o argumento de que "a União Europeia terá de provar que não é um clube cristão". Nenhuma opinião sobre a Europa contemporânea, sobretudo a ocidental, é mais absurda que essa, já que um dos traços mais marcantes do continente é o distanciamento de suas origens cristãs - o qual, por sua vez, é o principal responsável por sua fragilidade cultural e intelectual. E, se há relativamente poucos cristãos no berço da cristandade ocidental, há-os menos ainda na estrutura burocrática supranacional que agora tenta se impor sobre os governos nacionais. Nos documentos da União Europeia não há sequer uma menção ao passado religioso que conferiu ao continente sua própria unidade cultural. Não existe, pois, nada mais distante de um "clube cristão" que essa instituição. Até posso imaginar os políticos da Europa Ocidental cochichando preocupados diante da acusação de Gul: "Pessoal, é melhor a gente deixar esses turcos entrarem, senão o mundo vai pensar que somos cristãos mesmo. Que horror! Já pensaram?" No entanto, Magnoli quer que acreditemos que "a 'nova Europa' surgiu à sombra de um conceito de unidade com raízes no Império Romano e na tradição cristã" só porque a Comunidade Europeia teve início numa reunião realizada em Roma. Ele vê nisso um símbolo. Mas é muito estranho que o suposto símbolo seja avesso a todos os valores proclamados explicitamente pela instituição, que tem, inclusive, feito de tudo para eliminar os cristãos praticantes de seus assentos e gabinetes.

Magnoli comemora o episódio endossando a visão dos turcos, segundo a qual a entrada da Turquia seria a oportunidade para uma "aliança entre civilizações", visto ser a Turquia um país predominantemente muçulmano. Esse evento, segundo ele, contraria o "cancelamento da alteridade", tendência predominante ao longo da história europeia e que hoje se concretiza na tese huntingtoniana do "choque de civilizações", que Magnoli odeia acima de todas as coisas. Tenho minhas dúvidas quanto a se um país laico como a Turquia pode desempenhar adequadamente esse papel. Seja como for, acredito que o evento descrito é de fato um sintoma adicional do enfraquecimento cultural da Europa, que, afastada de seu berço cristão, não tem mais um senso permanente de unidade a que se apegar, a ponto de não ver mais problema em admitir um país islâmico em seu meio. É assim mesmo que o islã acabará por conquistar o continente. Só não sei se Magnoli ficará feliz quando isso acontecer.

Há bons indícios de que não ficará, pois aprovou com entusiasmo a absurda lei francesa que proibiu o uso de símbolos religiosos nas escolas, incluindo-se aí os hijabs das muçulmanas. Seu argumento é que "nas escolas públicas da república, os jovens não são cristãos, muçulmanos ou judeus: são estudantes". Qualquer oposição a essa ideia é, para o geógrafo, resistir "ao princípio da igualdade política dos cidadãos". Tudo isso é uma estupidez, evidentemente. Se alguém propusesse como solução impor o véu a todas as estudantes francesas, muçulmanas ou não, o negócio da igualdade estaria garantido, mas Magnoli seria o primeiro a defender o direito das não-muçulmanas. Falta-lhe perceber o fato óbvio de que a "igualdade política dos cidadãos" não consiste em todo mundo se vestir do mesmo jeito, ainda que esse jeito seja o preferido pelo estilista Demétrio Magnoli, mas sim cada um se vestir do jeito que julgar mais apropriado. Como é difícil entender isso, não?

Depois dessa, Magnoli vem dizer que os levantes nos subúrbios de Paris em 2005 não têm absolutamente nada a ver com islamismo, que os jovens revoltosos só querem "ser tão franceses quanto os demais" e que o levante muçulmano é apenas um mito levantado por "integristas, liberais e multiculturalistas" para impor "políticas compensatórias, ações afirmativas e cotas universitárias". Mesmo deixando de lado o absurdo de supor que os liberais aprovam essas medidas (que, ao contrário do que pensa Magnoli, são coisa da esquerda), a Norma escreveu na época uma série de seis posts chamada Violência em Paris (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) demonstrando a falsidade de todas essas afirmações. Em vista dessa cobertura completa, não resta nada a dizer. As opiniões de Magnoli relacionadas a temas islâmicos são uma total maluquice (escrevi mais sobre isso aqui), e estão entre o que há de pior no livro.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Produção de mudas e manejo fitossanitário dos citros V

O quinto capítulo, Manejo de doenças dos citros, é excelente por ir à raiz da dificuldade do controle de doenças na citricultura paulista. As causas dessa dificuldade são: 1. a propagação das doenças é favorecida pela forte continuidade espacial entre os pomares, pois 340 dos 645 municípios paulistas possuem fazendas citrícolas; 2. há também continuidade temporal, visto que os citros são plantas perenes e sempre verdes, de modo que se estabelece uma tendência à preservação dos espécimes infectados; e 3. a variabilidade genética dos pomares é baixíssima; na verdade, praticamente todos os mais de duzentos milhões de laranjeiras plantados nas fazendas paulistas são clones de um punhado de indivíduos.

O capítulo traz também informações históricas interessantes. Eu já sabia que o predomínio do limoeiro cravo como porta-enxerto (cerca de 90% do total) se deve à sua resistência à doença virótica conhecida como tristeza dos citros, que devastou os pomares paulistas nos anos 40. Mas eu não sabia que a tristeza tinha causado a morte de dez dos onze milhões de plantas cultivadas na época. Também não sabia que o porta-enxerto então utilizado, o de laranja azeda, havia sido, por sua vez, adotado por ser resistente a uma praga ainda mais antiga, a gomose, doença fúngica que causou a morte de muitas plantas nos anos 20, quando a laranjeira doce era amplamente utilizada como porta-enxerto. Daqui a algum tempo, se Deus permitir, o greening será apenas mais um duro adversário vencido.

O texto não trata de doenças específicas, mas discorre ainda sobre as oito medidas de combate fitossanitário em geral. Cinco deles são discutidos também em outros capítulos; os três restantes são: 1. Diversificação dos porta-enxertos e copas; esse método funciona em alguns casos, justamente porque algumas doenças não atingem certas combinações. Contudo, há doenças que atacam indistintamente todas as variedades. Além disso, a escolha é severamente restringida por fatores agronômicos (clima, solo, etc.), bem como pela época do ano em que se deseja fazer a colheita e pelo destino dos frutos. 2. Seleção de áreas para plantio; na medida do possível, devem ser evitadas regiões de alta infestação de doenças importantes. Também essa medida é limitada por fatores econômicos, climáticos e agronômicos. 3. Uso de irrigação; o uso inapropriado da irrigação artificial pode favorecer o desenvolvimento de certas doenças, sobretudo fúngicas, que dependem fortemente da presença de umidade.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

The consolation of philosophy XI

No final da edição que tenho, traduzida por um tal W. V. Cooper, há alguns poucos fatos sobre a vida do autor: Boécio nasceu na Itália em 470, membro de uma família nobre. Teve uma brilhante carreira política e financeira, tendo ascendido à posição de cônsul aos quarenta anos. Perturbou os interesses de algumas pessoas poderosas e foi preso, exilado, torturado e executado injustamente em 526. Foi durante o período de exílio que Boécio escreveu o livro; há menções à sua má fortuna no livro, e é justamente disso que a dama vem consolá-lo. Saber disso permite uma apreciação mais justa do valor da obra, e de todos os argumentos aduzidos ao longo do livro quanto à superioridade intrínseca da sorte do justo sobre a do injusto, a despeito de todas as adversidades. Boécio descobriu isso no fundo de um poço de humilhação e sofrimento, e não do alto de uma vida cheia de conforto.

O autor da nota editorial faz bem em ressaltar que, embora o autor fosse cristão, a obra em si assume uma perspectiva que creio poder definir como "monoteísmo pagão". De fato, Boécio não desejou incluir elementos especificamente cristãos em sua obra, e derivou sua inspiração dos velhos filósofos e poetas gregos e latinos. Platão é a figura mais proeminente, mas também há mais de uma menção a Homero, Anaxágoras, Sócrates, Aristóteles, Zenão, Eurípides, Horácio e Sêneca. Em outras obras, contudo, o cristianismo de Boécio se manifestou com maior brilho. Ele escreveu, por exemplo, um tratado defendendo a doutrina da Trindade, em oposição ao arianismo; escreveu também contra os nestorianos. Há, contudo, quem creia que Boécio de fato não era cristão, e que as obras de cunho especificamente cristão a ele atribuídas são, na verdade, obras de outros autores.

Seja como for, Boécio era um homem erudito e de interesses amplos: além do trabalho teológico e filosófico, pessoalmente traduziu para o latim várias obras de Aristóteles e três de Euclides; ele próprio escreveu tratados sobre matemática, mecânica, música e astronomia.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Produção de mudas e manejo fitossanitário dos citros IV

Quase um terço do livro é ocupado pelo quarto capítulo, intitulado Manejo de pragas dos citros. Nove espécies de ácaros são mencionadas. Uma delas é a disseminadora do vírus da leprose, que em três meses leva à queda das folhas e ao secamento dos ramos atacados pelo ácaro, num processo que pode levar à morte da planta. Os frutos também podem ser atacados; nesse caso, caem após cinco semanas e não são aproveitáveis. Outras espécies trazem efeitos menos perigosos: diminuição da fotossíntese, diminuição da concentração de suco nos frutos, deformação dos frutos, necrose nas folhas. Acaricidas, ácaros predadores e fungos parasitóides são as armas de combate mais eficazes contra esses bichinhos. Todos eles possuem menos de 0,5mm de comprimento. Sendo tão pequenos, são facilmente transportados pelo vento e pelas roupas das pessoas. O uso de quebra-ventos e a redução ao mínimo necessário do trânsito de pessoas pelos pomares são medidas desejáveis para diminuir a propagação dos ácaros. Eu só havia visto, até hoje, folhas de laranjeira contaminadas pelo ácaro purpúreo; gostei de saber um pouco mais sobre esses pequenos aracnídeos.

Nesse mesmo capítulo, cinco espécies de insetos são apresentadas como as mais nocivas. Em primeiríssimo lugar, é claro, está o psilídeo Diaphorina citri, transmissor da bactéria Candidatus liberibacter, causadora do greening, doença cujo diagnóstico me esforcei para melhorar em meu trabalho de mestrado. Sua gravidade se deve ao fato de tornar os frutos impróprios para consumo, propagar-se com grande rapidez e afetar todas as variedades comerciais. (Na verdade, afeta até plantas não-cítricas, como murtas e batatas.) O controle da doença se faz por meio da inspeção periódica dos pomares seguida de erradicação das plantas doentes. Inseticidas também são utilizados.

O segundo inseto mencionado é a cigarrinha, transmissora da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da CVC (clorose variegada dos citros). Na verdade, há doze espécies de cigarrinhas capazes de transmitir a doença. Algumas delas se alimentam e reproduzem em outras espécies de plantas. A CVC é menos grave que o greening, pois, sendo a doença identificada em sua fase inicial, pode-se apenas podar os ramos que apresentam sintomas. Além dos inseticidas, podem ser utilizadas armadilhas adesivas, que não atraem os psilídeos.

O terceiro inseto é a cochonilha ortézia, a mais nociva dentre as cochonilhas (insetos semelhantes a pulgões) que atacam citros. Elas sugam grandes quantidades de seiva, e os restos de seiva derramados causam o crescimento de fungos que dificultam a respiração e a fotossíntese da planta, além de atrair formigas. As plantas afetadas produzem menos folhas e frutos de má qualidade. Formas específicas de pulverização são utilizadas para combater esse inseto.

O quarto inseto é a larva do bicho-furão, praga que ataca várias frutas, como goiabas, lichias, mangas, frutas-do-conde, bananas e cocos. A acidez dos frutos verdes provoca elevada mortalidade das larvas, de modo que as fêmeas preferem os frutos maduros. O fruto atacado torna-se inútil, e o prejuízo pode ser de até duas caixas de laranjas a menos por árvore. Os hábitos do inseto adulto são noturnos, de modo que o período ideal para a pulverização se dá no crepúsculo.

Por último estão várias espécies de moscas-das-frutas, insetos que se hospedam em diversos tipos de plantas. Suas larvas também causam o apodrecimento dos frutos. Os métodos de combate são o uso de armadilhas alimentares envenenadas e a coleta e destruição de frutos que contêm larvas.

Além disso tudo, há informações sobre pragas menos importantes e sobre medidas de controle biológico que vêm sendo desenvolvidas para as pragas mencionadas. Nada disso me pareceu muito interessante. De qualquer modo, o exposto acima já é suficiente para que se perceba que vida de citricultor não é nada fácil. O problema vai muito além dos "cardos e abrolhos", que não são mais que exemplos ilustrativos.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

The consolation of philosophy X

Aqui vão algumas opiniões e comentários que tenho a fazer sobre os trechos do Livro V de The consolation of philosophy, de Boécio, que traduzi e publiquei no meu outro blog em duas partes (parte 1 e parte 2). Os trechos comentados aparecem entre aspas e em itálico, e minhas palavras vêm em seguida.

1. "Podemos ver muitas ações se desenvolvendo diante de nossos olhos; assim como os condutores de carruagens veem o desenvolvimento de suas ações enquanto controlam e guiam suas carruagens, e muitas outras coisas igualmente. Alguma necessidade impele alguma dessas coisas à ocorrência? É claro que não."

Essa negação está longe de me parecer autojustificada, de modo que não posso concordar com Boécio neste ponto. No entanto, esse fato parece afetar muito pouco a essência de seu argumento.

2. "Daí se segue que são coisas cuja ocorrência é inteiramente livre de necessidade."

Boécio várias vezes utiliza termos que considero inapropriados para qualificar a liberdade humana: "absoluta", "inteiramente livre", "perfeitamente livre e irrestrita", "perfeita". Isso é, na melhor das hipóteses, um exagero.

3. "Pois não penso que haja algum homem que dirá isso, que as coisas que são feitas no presente estavam para acontecer no passado, antes que acontecessem."

Hoje em dia há muita gente que pensa assim. Seguindo o teólogo McGregor Wright (só para dar um exemplo que li recentemente), dou a isso o nome de determinismo.

4. "Pois todo objeto que é conhecido não é compreendido de acordo com sua própria força, e sim de acordo com a natureza daqueles que o conhecem."

A defesa desse ponto de vista é, em minha opinião, o que há de mais interessante na exposição de Boécio.

5. "Nos dias antigos o Pórtico de Atenas nos deu homens que enxergavam mal, como se fossem velhos. Eles se convenceram de que as sensações dos sentidos e a imaginação não eram senão impressões feitas por corpos sobre uma mente que nada continha, assim como o antigo costume era de imprimir com ágeis canetas letras sobre a superfície de uma barra de cera que não continha marca alguma."

Refere-se aos estóicos, e o ponto de vista aqui corretamente denunciado como falso tornou-se muito popular no século XVIII, gerando toda uma corrente da filosofia inglesa: o empirismo.

6. "Portanto, se nós, que compartilhamos da posse da razão, pudéssemos ir além e possuir o juízo da mente de Deus, pensaríamos então ser mais justo que a razão humana se rendesse à mente de Deus, assim como determinamos que os sentidos e a imaginação devem se render à razão."

Eis a essência do argumento de Boécio para a compatibilidade entre a onisciência de Deus quanto ao futuro e a liberdade humana. Ele não fala em termos de decreto divino, e sim apenas da presciência. Apesar disso, tenho a impressão de que seu argumento permite estender a mesma conclusão ao primeiro.

7. "Portanto, desde que tudo o que é conhecido é apreendido, como já mostramos, não de acordo com sua natureza, e sim de acordo com a natureza do conhecedor, examinemos, até onde pudermos, o caráter da natureza divina, de modo a sermos capazes de aprender o que é esse conhecimento."

Também achei muito interessante o contexto no qual Boécio introduziu sua clássica definição de eternidade. Eu já a conhecia, naturalmente, mas entendê-la à luz da discussão precedente sobre a diferença entre os modos de conhecimento das mentes divina e humana foi, para mim, deveras surpreendente.

8. "Portanto, pessoas que ouvem que Platão pensava que este universo não teve princípio no tempo e não terá fim não estão corretas em pensar que dessa forma o mundo criado é coeterno com seu Criador."

Boécio aparentemente subscreve a tese da infinitude temporal do mundo, que ele, no entanto, distingue da eternidade propriamente dita. Eu, naturalmente, não concordo com ele nesse ponto, mas não deixa de ser logicamente válida a desvinculação promovida por ele entre a ideia de independência ontológica da matéria em relação a Deus e a mera existência temporalmente irrestrita dessa mesma matéria.

9. "Por que, então, exiges que todas as coisas ocorram por necessidade, se a luz divina repousa sobre elas, enquanto os homens não julgam necessárias essas coisas tais como as veem?"

Embora isso esteja longe de constituir por si só um argumento contra o determinismo, considero sensato esse apelo à experiência humana, sobretudo na ausência de evidência conclusiva em contrário.

10. "Por exemplo, quando vês ao mesmo tempo um homem caminhando sobre a terra e o sol se levantando nos céus, vês ambas as coisas simultaneamente, e contudo distingues entre elas e decides que um está se movendo voluntariamente, e o outro necessariamente."

Boécio parece tomar os termos "livre" e "voluntário" como sinônimos. Oponho-me a esse uso. A fim de evitar confusão, prefiro entender como "voluntário" um ato que é consoante à vontade do agente, pouco importando se ela é livre ou não.

11. "De modo semelhante, a percepção de Deus desce sobre todas as coisas sem perturbar de modo algum sua natureza."

Esse argumento é falho por ignorar que Deus não é mero observador casual e passivo dos eventos que se desenrolam, e sim possibilitador e autor do decreto que conduz a eles. Apesar disso, creio haver algo de válido nessa afirmação: a percepção de que a natureza e o rumo das coisas não são alterados ou restringidos pelo mero testemunho da mente divina.

12. "Pois há dois tipos de necessidade. Uma é simples; por exemplo, um fato necessário, 'todo homem é mortal'. A outra é condicional; por exemplo, se sabes que um homem está andando, ele só pode estar andando."

Essa distinção entre os dois tipos de necessidade, a simples e a condicional, é muito útil e deveria permanecer na mente das pessoas. O esquecimento dessa distinção leva à confusão da infalibilidade do decreto divino com uma determinação inerente às coisas.

13. "Podes mudar teu propósito, mas desde que toda verdade da Providência sabe em seu presente que podes fazer assim, e se o farás, e em que direção o mudarás, não podes fugir à presciência divina; assim como não podes evitar o olhar de um olho presente, embora possas por tua livre vontade entregar-te a todo tipo de ação."

Essa afirmação demonstra que Boécio de fato não fez plena justiça ao decreto divino enquanto tal, e sim apenas à presciência. Desse modo, não me parece que ele tenha alcançado uma solução completa para o problema.

14. "Pois esse poder de conhecimento, mesmo no presente e abarcando todas as coisas em sua percepção, restringe todas as coisas, e nada deve aos eventos futuros, dos quais nada recebeu."

Apenas aqui parece haver um vestígio do decreto divino.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Produção de mudas e manejo fitossanitário dos citros III

O terceiro capítulo é sobre a mosca negra dos citros, que na verdade não é uma mosca, e não é sequer um inseto díptero (ordem das moscas e pernilongos), e sim um hemíptero (ordem dos barbeiros e percevejos). Além de não ser mosca, o inseto não é "dos citros" em nenhum sentido especial, pois ataca mais de trezentas espécies de plantas, entre as quais se encontram os pés de caju, abacate, café, manga, banana, uva e goiaba. E, a julgar pelas fotos, não é tão negra assim. O nome do bicho é, pois, bastante impróprio.

A "mosca" "negra" "dos citros" não é uma das pragas mais severas da citricultura; suponho que um capítulo exclusivo lhe foi dedicado pelo fato de ter ela sido descoberta no Estado de São Paulo apenas em 2008, ano da publicação do livro. As ninfas do inseto atacam as folhas novas da planta, causando o derramamento de fluidos. Esse fato leva à proliferação de fungos, que atacam folhas e frutos, dificultando a respiração e a fotossíntese, e atrai formigas e outros insetos nocivos. Há apenas um inseticida funcional para essa espécie. Isso é péssimo, pois é a variação do inseticida que impede o crescimento de variedades resistentes ao princípio ativo. Por isso, a forma mais eficaz de controle dessa doença é biológica: dois fungos parasitóides e dois insetos predadores têm sido cultivados artificialmente para combater nos pomares o hemíptero em questão.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

The consolation of philosophy IX

Conforme prometi, publico a segunda parte do trecho do Livro V, em que Boécio expõe sua teoria sobre a compatibilidade entre a liberdade do homem e a soberania de Deus. Quem se interessar poderá lê-la aqui.

domingo, 1 de maio de 2011

Produção de mudas e manejo fitossanitário dos citros II

Há um capítulo inteiro dedicado aos nematóides, vermezinhos minúsculos (no caso em questão, pelo menos) dos quais eu não ouvia falar desde os tempos do ginásio. Os nematóides dos citros vivem no solo e nas raízes da planta, em quantidades que podem chegar a centenas de milhares por quilograma. Se estiverem presentes em quantidade suficiente, provocam a desnutrição da planta, o que leva, por sua vez, à redução da altura, da massa foliar e do diâmetro do caule. Eles roubam os nutrientes das raízes e provocam lesões que facilitam a entrada de microorganismos nocivos.

Existem várias maneiras de combater a proliferação de nematóides. Além de cuidados com a produção das mudas e lavar bem os equipamentos utilizados no pomar, o citricultor pode optar pelo plantio de variedades resistentes a nematóides. Infelizmente, a variedade preferida pelos citricultores é também a mais suscetível aos nematóides: o limão cravo. Além disso, recomenda-se plantar em áreas não infestadas, pois os nematóides podem sobreviver no solo durante anos. Antes de aproveitar áreas infestadas, devem-se cultivar plantas que não favorecem a reprodução dos nematóides, como amendoim, mamona, tamarindo, goiaba, mamão, maracujá ou pêssego.

domingo, 24 de abril de 2011

Novo cântico II

Hoje, no dia da celebração do túmulo vazio, nada como cantar um dos mais belos hinos do nosso hinário sobre o poder do sangue do Senhor Jesus. O hino abaixo é o 269 do Novo Cântico, o hinário oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. O hino foi composto originalmente por Eden Reeder Latta sob o título Blessed be the fountain of blood, e traduzido para o português por Henry Maxwell Wright, passando a se chamar Pureza no sangue de Cristo.

Seja bendito o Cordeiro
que na cruz por nós padeceu;
seja bendito o seu sangue,
que por nós, pecadores, verteu.
Eis que no sangue lavados
e tendo puro o coração,
os pecadores remidos
por Jesus têm com Deus comunhão.

Quão espinhosa a coroa
que Jesus por nós suportou!
Oh! Quão profundas as chagas
que nos provam o quanto ele amou!
Eis nessas chagas pureza
para o maior pecador,
a quem mais alvo que a neve
o teu sangue transforma, Senhor.

Se as faltas nós confessarmos
e seguirmos na tua luz,
tu não somente perdoas;
purificas também, ó Jesus.
Lavas de todo pecado;
que maravilha de amor!
Pois que mais alvos que a neve
o teu sangue nos torna, Senhor.

Alvo mais que a neve,
alvo mais que a neve;
sim, nesse sangue lavado,
mais alvo que a neve eu estou.

domingo, 10 de abril de 2011

Produção de mudas e manejo fitossanitário dos citros

Li esse livro por causa de meu mestrado, que tratou do uso de equipamentos baseados em laser para o diagnótico de doenças em citros. Mais precisamente, a doença com que trabalhei é o greening ou HLB, doença bacteriana que é a maior ameaça à citricultura atual. Deve ser por isso que a capa do livro traz um desenho do psilídeo Diaphorina citri, o inseto transmissor do greening. O livro trata de questões diversas relativas à saude dos pomares citrícolas, e conta com a colaboração de treze profissionais - um dos quais eu conheço pessoalmente - ligados a universidades, centros de pesquisa e empresas envolvidas na citricultura. Os organizadores são Alexandre de Sene Pinto e Ronaldo Posella Zaccaro, ambos professores do Centro Universitário Moura Lacerda, localizado em Ribeirão Preto.

O Estado de São Paulo produz cerca de 80% das laranjas do país, que, por sua vez, produz quase 30% das laranjas do mundo. Lendo o primeiro capítulo do livro, que trata de métodos de produção de mudas voltados para a prevenção da contaminação por certas doenças, descobri que há em São Paulo 555 viveiros protegidos, com capacidade para a produção anual de 24 milhões de mudas. Descobri também que a onda dos viveiros protegidos é recente: só começou em 1999, como forma de combate à CVC (clorose variegada dos citros) - ou "amarelinho", para os mais íntimos. Sou informado ainda de que a legislação estadual regula tudo: a altura das bancadas sobre as quais ficam as mudas, a espessura da cobertura plástica, o pavimento dos corredores, etc.. Há também normas para as mudas produzidas: altura da poda e da enxertia, ângulo entre a copa e o porta-enxerto, diâmetro do caule e outras coisas. Não entendo o propósito de certas especificações, mas parece que as medidas deram certo: a quantidade de mudas contaminadas com CVC, que vinha oscilando em torno de 15% e chegou a 35% em 1999, caiu para cerca de 5% nos anos seguintes.

domingo, 3 de abril de 2011

The consolation of philosophy VIII

O tema do Livro V inteiro é um prolongamento lógico das questões discutidas no Livro IV referentes à Providência divina e ao Destino, conforme o trecho transcrito na postagem anterior: a discussão sobre uma possível conciliação entre a soberania divina e a liberdade humana. Por ser essa uma questão que vem ocupando minha atenção ultimamente, bem como rendendo algumas conversas com amigos, decidi que valia a pena traduzir e publicar um trecho razoavelmente longo, que resume a essência da conciliação proposta por Boécio. A primeira parte desse trecho está publicada em meu blog. A segunda parte, contendo o restante do trecho, será publicada dentro de alguns dias. Depois disso, farei alguns comentários sobre meus acordos e desacordos.

quinta-feira, 24 de março de 2011

VINACC, ou: a mala que trouxemos da Paraíba

A rigor, o que se segue não se inclui na categoria "tamos lendo", e sim na "pretendemos ler". Abaixo segue a lista de livros e outros produtos que trouxemos da VINACC no começo do mês. Entre obras ganhadas e compradas em suaves prestações, tem muita coisa boa aí embaixo.

1. Os abismos do ser, de José Mário da Silva: o único livro da lista que não aborda diretamente o cristianismo. Contém reflexões envolvendo temas literários. Ganhamos o livro de presente do autor, que fez a gentileza de autografá-lo.

2. Vigiai! Quem são as testemunhas de Jeová?, do CACP (Centro Apologético Cristão de Pesquisas). Uma contestação à teologia das testemunhas de Jeová no formato das revistinhas que elas comumente vendem de porta em porta. Ganhamos essa do Paulo Cristiano, membro do CACP.

3. Cristianismo ao gosto do freguês, de Renato Vargens: pequeno livro sobre algumas péssimas tendências atuais da igreja evangélica brasileira. Autografado pelo autor, de quem ganhamos o livro.

4. Batalha contra a pornografia: em defesa da família e da igreja, de Cláudio Rufino: livro que aborda diversos aspectos do problema da pornografia. Presenteado e autografado pelo autor.

5. As firmes resoluções de Jonathan Edwards, de Steven J. Lawson: sobre a devoção do teólogo e pastor americano do século XVIII. Esse nós ganhamos de presente do Tiago Santos, da Fiel.

6. Ética cristã: opções e questões contemporâneas, de Norman Geisler: excelente obra sobre a ética cristã e seus corolários, abordando também os problemas de outras éticas. Li esse livro há vários anos, mas ele foi reeditado com vários capítulos adicionais, que abordam temas atuais como ecologia, homossexualismo, desobediência civil, divórcio e controle de natalidade. Ganhamos essa edição ampliada do Celso Mastromauro, representante da Vida Nova no evento.

7. Isto não é conto de fadas, de Dall Tolmasoff: os pontos essenciais do ministério de Cristo narrados de forma original, em um livro para crianças. Com belas ilustrações e prefaciado por John Piper.

8. Mangá Messias, de Hidenori Kumai: produção japonesa que traz o relato da vida de Jesus, da concepção à ascensão, em forma de mangá.

9. Mangá Metamorfose, de Kozumi Shinonawa: os Atos dos apóstolos também na versão mangá.

10. Como tudo começou: uma introdução ao criacionismo, de Adauto Lourenço: uma abordagem belamente editada aos temas gerais do criacionismo. Autografado pelo autor.

11. Teologia sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual, de Franklin Ferreira e Alan Myatt: uma sistematização da teologia bíblica. Com autógrafo do Franklin.

12. A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica, de Grant R. Osborne: livro que trata dos princípios da hermenêutica bíblica e da aplicação dos sentidos na vida moderna e na pregação. Trata ainda das modernas teorias da linguagem, propondo um esquema abrangente de princípios hermenêuticos.

13. Atlas Vida Nova da Bíblia e da história do cristianismo, organizado por Peter Wyart: muitos mapas, fotos e dados históricos e geográficos referentes à Bíblia e à cristandade.

14. Comentário bíblico Vida Nova, organizado por D. A. Carson: introdução e comentário a todos os livros da Bíblia em um único (e enorme) volume. Contém também algumas outras coisinhas.

15. Curso Vida Nova de teologia básica: filosofia, de Jonas Madureira: uma abordagem para leigos sobre a filosofia e sua interrelação histórica com a teologia cristã.

16. Na dinâmica do Espírito: uma avaliação das práticas e doutrinas, de J. I. Packer: uma promissora análise das principais visões cristãs sobre o Espírito Santo e a santidade dos crentes.

17. J. I. Packer: a biography, de Alister McGrath: obra biográfica sobre um dos grandes teólogos reformados do século XX.

18. Senhores da terra, de Don Richardson: excelente livro que li na adolescência. Nele, o autor conta a história de um companheiro missionário, Stanley Dale, que deu a vida pela evangelização de um povo primitivo da Papua Nova Guiné.

19. Secrets of the Koran: revealing insights into Islam's holy book, de Don Richardson: livro sobre o Alcorão, o islamismo e sua penetração no Ocidente. Autografado pelo autor.

20. A verdade nos libertou: dez ex-freiras contam as suas histórias: uma coleção muito promissora de uma dezena de testemunhos de conversão do catolicismo.

21. Lírios entre espinhos: cristãos chineses contam sua história com sangue e lágrimas, de Danyun: relatos sobre a igreja chinesa e a perseguição por ela sofrida. O autor é um pregador e líder chinês.

22. Filhas do islã: edificando pontes junto à mulher muçulmana, de Miriam Adeney: livro sobre os problemas das mulheres muçulmanas e sobre como lidar com elas.

23. Muito mais que um sonho: o único item não impresso da lista. Trata-se de uma coleção de cinco DVDs contendo histórias e testemunhos de cinco muçulmanos em diferentes países islâmicos que se converteram a Cristo.