segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Citação VI: G. K. Chesterton

"A Revolução Francesa foi realmente uma coisa heróica e decisiva, porque os jacobinos desejavam algo definido e limitado. Desejavam as liberdades da democracia, mas também os vetos da democracia. Desejavam ter votos e desejavam NÃO ter títulos [de nobreza]. O republicanismo teve um lado ascético em Franklin ou Robespierre assim como um lado expansivo em Danton ou Wilkes. Portanto, eles criaram algo que tinham uma forma e uma substância sólidas, o quadrado definido pela igualdade social e a prosperidade dos camponeses da França. Mas desde então a mente revolucionária ou especulativa da Europa foi enfraquecida pelo expediente de fugir de qualquer proposição por causa dos limites dessa proposição. O liberalismo degenerou em liberalidade. Os homens tentaram transformar o verbo "revolucionar" de transitivo em intransitivo. O jacobino poderia dizer a você não só aquilo contra o que ele se rebela, mas também, o que é mais importante, aquilo contra o que ele JAMAIS se rebelaria, o sistema no qual ele confia. Mas o novo rebelde é um cético, e não confiará inteiramente em coisa alguma; ele não tem lealdade. Por isso, ele nunca poderá ser realmente um revolucionário. E o fato de que ele duvida de todas as coisas realmente fica em seu caminho quando ele quer denunciar alguma coisa. Pois toda denúncia implica uma doutrina moral de algum tipo; e o moderno revolucionário duvida não só da instituição que denuncia, mas da doutrina com base na qual o faz. Assim, ele escreve um livro reclamando que a opressão imperial insulta a pureza das mulheres, e depois escreve outro livro (sobre o problema do sexo) no qual ele próprio a insulta. Ele maldiz o sultão por causa das jovens cristãs que perderam a virgindade, e depois culpa a sra. Grundy porque elas não a perderam. Como político, ele clamará que toda guerra é um desperdício de vida, e depois, como filósofo, que toda vida é um desperdício de tempo. Um pessimista russo denunciará um policial por matar um camponês, e depois provará, pelos mais elevados princípios filosóficos, que o próprio camponês deveria ter se matado. Um homem denuncia o casamento como uma mentira, e depois denuncia os devassos aristocratas por tratá-lo como tal. Diz que a bandeira é uma quinquilharia, e depois culpa os opressores da Polônia ou da Irlanda por desprezarem essa quinquilharia. O homem dessa escola vai primeiro a um encontro político, onde reclama que os selvagens são tratados como se fossem animais; depois, pega o chapéu e o guarda-chuva e vai a um encontro científico, onde prova que eles são praticamente animais. Em resumo, o moderno revolucionário, sendo infinitamente cético, está sempre empenhado em destruir seus próprios fundamentos. Em seu livro sobre política, ele ataca os homens por pisarem na moralidade; em seu livro sobre ética, ataca a moralidade por pisar nos homens. Portanto, o homem moderno em revolta se tornou praticamente inútil para todos os propósitos da revolta. Por se rebelar contra todas as coisas, perdeu o direito de se rebelar contra o que quer que seja."

(Orthodoxy)

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O racionalismo dos irracionais

Acabo de dar início à série sobre o artigo de Felipe Sabino de Araújo Neto no outro blog.

domingo, 20 de novembro de 2011

Levítico

Tendo concluído a leitura do comentário de Calvino à Epístola aos Hebreus, dei início à leitura de Levítico, um livro do Antigo Testamento muito relacionado à epístola anônima. O comentário de que me sirvo agora é Levítico: introdução e comentário, de Roland K. Harrison, professor de Antigo Testamento no Wycliffe College, da Universidade de Toronto. A edição brasileira é parte da excelente Série Cultura Bíblica - também conhecida como "comentários das bolinhas", em alusão à capa.

Na introdução de vinte e poucas páginas, Harrison traz um excelente panorama do livro a ser estudado, contendo considerações sobre a natureza da obra, sua autoria e data de composição, sua unidade, seu propósito, sua teologia, sua relação com o Novo Testamento e algumas questões referentes aos melhores manuscritos disponíveis. (O autor endossa o ponto de vista de Gleason Archer, isto é, que o Texto Massorético é geralmente, embora nem sempre, mais confiável que o Texto Samaritano e os textos aparentados à Seputaginta. Escrevi sobre isso aqui.) Merece destaque a excelente exposição, embora não minuciosa, das falácias dos métodos hermenêuticos liberais que, seguindo a abordagem de Astruc, Graf e Wellhausen, atacaram violentamente a unidade do texto e postularam uma composição tardia, entre os séculos IX a V a.C. - negando, portanto, a autoria mosaica, quando não a própria existência de Moisés.

Apesar de tudo isso ser muito interessante, a parte de que mais gostei foi a apreciação teológica. O trecho seguinte traz um belo resumo da ainda mais bela mensagem fundamental transmitida pelo terceiro livro da Lei:

"A legislação geral de Levítico demonstra que toda a vida é vivida sob o olhar vigilante de Deus e, como resultado, não faz nenhuma diferenciação artificial entre o que é santo e o que é secular. Um povo santo transformará pela sua vida coisas terrestres comuns em ofertas belas e aceitáveis diante de Deus. Mediante a habitação dEle dentro deles, serão revestidos de poder para administrar a graça da aliança uns aos outros e para aqueles que estão fora da nação de Israel, conforme surge a oportunidade. O alvo subjacente do ensino é, portanto, garantir que a santidade de Deus possa regular e dirigir cada área da atividade humana."

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Citação V: Alvin Plantinga

"O filósofo cristão, ou teísta, então, tem sua própria maneira de trabalhar. Em alguns casos, existem alguns itens em sua agenda - itens importantes - não encontrados na agenda da comunidade filosófica não-teísta. Em outros casos, itens em alta na comunidade filosófica podem parecer de pouca importância de uma perspectiva cristã. Em ainda outros, o teísta rejeitará hipóteses e visões comuns sobre como iniciar, como proceder, e o que constitui uma resposta boa ou satisfatória. Em ainda outros casos, o cristão vai presumir e vai começar a partir de hipóteses ou premissas rejeitadas pela maior parte da comunidade filosófica. [...] A filosofia é muitas coisas. Eu disse antes que é uma questão de sistematizar, desenvolver e aprofundar as opiniões pré-filosóficas. É isso, mas também é uma arena para articulação e intercâmbio de compromissos e lealdades fundamentalmente religiosas por natureza; é uma expressão de perspectivas profundas e fundamentais, maneiras de ver a nós mesmos, o mundo e Deus. Entre seus mais importantes projetos estão a sistematização, aprofundamento, a exploração e a articulação dessa perspectiva, e explorar suas implicações no resto do que pensamos e fazemos. Mas então a comunidade filosófica cristã tem sua própria agenda; ela não precisa e não deve automaticamente tomar seus projetos da lista daqueles projetos favoritos nos centros filosóficos contemporâneos de ponta. Além do mais, os filósofos cristãos devem estar cautelosos quanto a assimilar ou aceitar procedimentos e ideias filosóficas populares; pois muitas delas têm raízes profundamente anticristãs. E, finalmente, a comunidade filosófica cristã tem um direito às suas perspectivas; ela não está sob nenhuma obrigação de mostrar que tais perspectivas são plausíveis em relação àquilo que é tomado como verdade por todos filósofos, ou a maioria dos filósofos, ou os prominentes filósofos de nossos dias. Em resumo, nós que somos cristãos e nos propomos a sermos filósofos não devemos nos contentar em sermos filósofos que, por acaso, são cristãos; devemos nos esforçar em sermos filósofos cristãos. Nós devemos, portanto, prosseguir com nossos projetos com integridade, independência, e ousadia cristã."

(Conselho aos filósofos cristãos)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A soberania banida VIII

O sétimo capítulo intitula-se Graça e perseverança: a salvação e sua segurança, e trata da defesa dos dois últimos dos assim chamados cinco pontos do calvinismo. O capítulo é interessante, mas apenas dois trechos me pareceram realmente notáveis. Uma é a breve análise, de apenas uma página da passagem de Joao 10 sobre o Bom Pastor, culminando no versículo 28, "Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão", fazendo-me lembrar das belas palavras de Calvino sobre a fonte de segurança que deve emanar dessa promessa para o coração do crente.

O outro trecho interessante está menos diretamente ligado ao tema do capítulo, mas esclareceu uma curiosidade que eu tinha há muito tempo. Aprendi nos livros de teologia do Novo Testamento que a palavra grega para "glória" é doxa. Contudo, aprendi nas aulas sobre filosofia grega na faculdade que essa mesma palavra era usada significando "opinião", a saber, a opinião não esclarecida pela análise filosófica. Qual seria, pensava eu, a relação entre as duas coisas? Wright me explicou: doxa deriva de uma raiz que significa "parecer" ou "aparecer"; essa palavra pôde se referir à opinião não fundamentada "porque as opiniões de uma pessoa são controladas pelo modo como as coisas parecem ser". Mas também pôde refletir a glória divina porque aponta para a manifestação dessa glória.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Citação IV: Jonas Madureira

"Para aqueles que acreditam na singularidade de Deus, a tendência de conquistar o aplauso da modernidade representa a maior de todas as tentações. A sociologia e a psicologia social já mostraram que todos aqueles que começam a viver em outras culturas que não a sua sofrem uma das mais fortes pressões que se pode experimentar: a pressão de estar fora dela. O mesmo acontece com aqueles que vivem uma cultura diferente da cultura dominante. Viver culturalmente 'fora' é como viver no exílio, é o ponto mais difícil da realização social. Por isso, não são poucos, mas muitos, os que abrem mão de suas convicções para serem aceitos, isto é, para não ficarem 'de fora'. Hoje, aquele que afirma a dependência de Deus para o conhecimento da realidade se vê diante de inúmeros desafios, pois está fora dos ditames da modernidade."

(Curso Vida Nova de teologia básica: filosofia, São Paulo, Vida Nova, 2008, p. 131)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O grande jogo XIX

O último capítulo, Terra estrangeira, diz também algumas bobagens, como não poderia deixar de ser, mas o que diz de mais importante é correto e essencial: Magnoli trata da questão das favelas do Rio e seus traficantes como aquilo que realmente é, ou seja, um problema de soberania nacional.

Com isso, encerro meus comentários sobre o livro. Há nele milhões de declarações e interpretações das quais discordo. Várias delas, aliás, chegam a ser absurdas. Entretanto, foi uma leitura muito proveitosa. Também há no livro muitas verdades importantes. Adquiri muitas informações úteis e fui enriquecido com a exposição de interpretações diferentes das habituais em diversos pontos. É um bom livro.