segunda-feira, 28 de junho de 2010

The consolation of philosophy III

O Livro II consiste de um diálogo que está mais para monólogo, no qual a Filosofia discursa sobre a instabilidade da fortuna que acomete os homens, de modo que o homem só pode ser feliz de fato na medida em que coloca seu coração naquilo que é permanente e que independe do que lhe sucede. O texto parece, dessa forma, fazer uma aplicação cristianizada de certos princípios do estoicismo. No trecho abaixo, a Filosofia argumenta que nenhum homem pode alcançar a felicidade plena, mas que o sábio pode sempre encontrar motivos para a alegria autêntica. O final do trecho traz ecos da verdade bíblica de que todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus.

"Que felicidade está tão firmemente estabelecida que não enfrente altercações de lado algum para salvaguardar seu patrimônio? Pois a condição de nosso bem-estar é um assunto a ser cercado de cuidados: sua plenitude nunca aparece, ou então nunca permanece. A riqueza de um homem é abundante, mas seu nascimento e criação lhe causam vergonha. Um outro é famoso por sua origem nobre, mas prefereria ser desconhecido, pois sua vida é dificultada por seus recursos escassos. Um terceiro é abençoado com riqueza e boa criação, mas lamenta por sua vida porque não tem esposa. Outro é feliz em seu casamento, mas não tem filhos, e poupa sua riqueza para um herdeiro que não é seu filho. Outro é abençoado com filhos, mas derrama lágrimas de tristeza pelos erros de um filho ou de uma filha. Portanto, ninguém se encontra facilmente em paz com a sorte que a fortuna lhe reserva. Pois em cada caso há algo que é desconhecido para quem não o experimentou, mas que traz horror ao que o experimentou. Considera ainda que os sentimentos dos homens mais felizes são os mais facilmente afetados, já que, a menos que todos os seus desejos sejam satisfeitos, tais homens, sendo desacostumados a toda adversidade, são humilhados por toda pequena inquietação; muito pequenos são os problemas capazes de roubar-lhes a felicidade completa. Quantos julgas que são os que se considerariam elevados ao céu se a menor parte dos remanescentes de tua fortuna caísse sobre eles? Este mesmo lugar, que chamas de exílio, é o lar para aqueles que aqui vivem. Assim, nada é miserável a menos que o consideres assim; e, de modo semelhante, aquele que tudo suporta com uma mente calma acha sua sorte totalmente bendita."

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O grande jogo II

A apresentação, em quatro páginas, é de Fernando Henrique Cardoso. Por si mesmo, esse fato deixa entrever a tendência predominante da obra, que é a de um esquerdismo light. Alguns elementos chamaram minha atenção nos comentários do ex-presidente:

1. FHC afirma, referindo-se ao autor, que "seu estilo é ferino e sua linguagem, vez ou outra, pode soar abusada". Minha impressão foi o oposto exato disso. Mesmo quando faz as acusações mais graves - muitas vezes falsas, caluniosas e até absurdas -, Magnoli é a polidez em pessoa. Nosso ex-presidente parece possuir aquela mesma sensibilidade exacerbada às superficialidades que tomou conta da cultura brasileira.

2. Estranhamente, FHC atribui a Francis Fukuyama a tese de que "o fim do socialismo e da Guerra Fria [...] significou o fim da história". Não há dúvida de que isso é o que todo mundo diz. Mas eu confesso que esperava mais de nosso ex-presidente. Deixo aqui a breve advertência feita, a partir desse mesmo assunto, por Jean-François Revel em seu livro A obsessão antiamericana:

"Essa mundialização liberal, que triunfaria de forma clamorosa a partir de 1990, depois da desintegração dos comunismos, é o que Francis Fukuyama denominaria, no momento daquele colapso, 'o fim da história', expressão que quem reprovou não entendeu bem, pois muita gente acha, por desgraça, que leu um livro por ter lido seu título. Fukuyama não quer dizer que a história terminou, coisa absurda, e sim que a experiência refutou a concepção hegeliana e marxista da história, imaginada como um processo dialético que deve necessariamente acabar em um modelo final ao qual, supostamente, tendia a humanidade, sem saber disso e independentemente de sua ação, desde a origem dos tempos."

O mais curioso é que o próprio FHC menciona com desaprovação a concepção hegeliana e marxista da história, essa mesma que Fukuyama combateu. Dessa forma, fica sem sentido sua reprimenda a Fukuyama. Será que FHC não leu o livro?

3. FHC evidentemente endossa boa parte do conteúdo do livro. Dou destaque à apreensão quanto ao "preocupante ressurgimento do fundamentalismo de fundo religioso - o qual não é exclusivo do mundo muçulmano, senão que está presente também nas sociedades moldadas dentro da tradição judaico-cristã". Mas do que está ele falando? É necessário ler o livro para saber, mas já adianto: ele se refere a George W. Bush e aos conservadores americanos.

4. FHC diz que o ideário republicano foi "forjado na Revolução Francesa", como se os Estados Unidos já não tivessem uma república desde mais de uma década antes. Mas a Revolução Francesa é, segundo o ex-presidente, "uma das fontes ainda férteis do pensamento democrático de esquerda". FHC situa Magnoli nessa tradição e, com base nisso, enche-o de elogios. Esse é só um indício a mais de como anda a "direita" brasileira. Aliás, o próprio Magnoli não parece ter se dado conta disso, já que se refere a Lula como o primeiro presidente de esquerda do Brasil. Ele parece achar, então, que FHC é de direita. Péssimo começo.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Um mundo com significado VII

O capítulo 5 começa a entrar no tema do design na natureza: conta a história da descoberta dos elementos que compõem a tabela periódica - começando, porém, na Grécia antiga, com a discussão dos filósofos pré-socráticos sobre o elemento fundamental do mundo. Essa narrativa padece dos mesmos problemas que apontei nos capítulos 2 e 3: a falta de objetividade e precisão e a consequente impressão da falta, por parte dos autores, de conhecimentos aprofundados sobre o tema, denunciando um espírito excessivamente pragmático. Porém, todos esses efeitos se manifestam de modo bem menos intenso que nos capítulos iniciais, e a qualidade do livro está melhorando de modo notável. Além disso, para o leitor atento, a analogia entre os versos de Shakespeare e as propriedades dos elementos químicos é evidente, embora nem sempre enfatizada devidamente: a semelhança reside na ordem que se revela em níveis diversos, produzindo um conjunto harmonioso cuja beleza é irresistível, uma vez descoberta. O capítulo também é interessante, apesar do popularismo, como introdução à história da química e suas ancestrais remotas: a metalurgia, a filosofia e a alquimia. Eu recomendaria esse texto como leitura inicial sobre o assunto a um leitor não-iniciado no idioma sagrado da ciência. Eu mesmo aprendi alguns detalhes interessantes, como que a mineração, a metalurgia e a cerâmica tiveram início por razões muito mais estéticas que propriamente utilitárias, segundo o historiador Cyril Stanley Smith.

sábado, 19 de junho de 2010

O grande jogo

Tendo terminado de ler o Diário de viagem, de Albert Camus, dei início à leitura de um outro livro que ganhei na virada de ano. Desta vez, o presente veio da Cléo, minha cunhada. O livro, lançado em 2006, é O grande jogo: política, cultura e ideias em tempo de barbárie, e seu autor é o cientista social e geógrafo Demétrio Magnoli. Concluí a leitura em fevereiro, e só depois dei início à redação dos posts. O livro não tem muita continuidade; consiste de muitos artigos curtos (contei 134) organizados segundo seus temas fundamentais em treze capítulos. Podemos, com boa aproximação, considerar que os oito primeiros tratam de política internacional, e os restantes versam sobre política brasileira. Os artigos são versões atualizadas de textos publicados entre 2001 e 2005 nos jornais Folha de São Paulo e Valor, bem como nas revistas Época e Mundo - geografia e política internacional. O objetivo do livro é lançar alguma luz sobre a situação conturbada que se instalou desde a dissolução da URSS e a queda do Muro de Berlim. Tenho muitos e severos desacordos quanto aos posicionamentos do autor, mas foi uma leitura proveitosa por enriquecer meus conhecimentos em diversos pontos, e também pelo estilo agradável que caracteriza a prosa do autor.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Diário de viagem III

Publiquei em meu blog o terceiro post sobre esse livro, contendo trechos interessantes da parte final da viagem de Albert Camus à América do Sul.

domingo, 13 de junho de 2010

LXX versus TM

Li em 2002 um livro de Gleason L. Archer Jr. chamado Merece confiança o Antigo Testamento?, cujo título original é menos apologético: A survey of Old Testament Introduction. A versão revista dessa obra foi publicada em 1974, dez anos depois da original. No terceiro dos 27 capítulos, intitulado Os manuscritos hebraicos e as versões antigas, há o seguinte comentário sobre a Septuaginta:

"A LXX tem grandes diferenças de qualidade e de valor, de um livro para outro. O Pentateuco foi traduzido com maior exatidão, de modo geral, que os demais livros do Antigo Testamento, indubitavelmente porque tinha de servir como um tipo de Targum grego nos cultos realizados nas sinagogas das congregações judaicas no Egito. Os Profetas Anteriores (i.e., de Josué até 2 Reis) e os Salmos são traduzidos com considerável fidelidade ao original hebraico, de modo geral. No caso dos Profetas Posteriores (Isaías até Malaquias), a tendência à paráfrase é mais definida, e as passagens hebraicas mais difíceis muitas vezes recebem um tratamento inexperiente. Os demais livros, os Poéticos (sem incluir os Salmos) demonstram uma tendência semelhante à liberdade na interpretação."

No capítulo seguinte, Archer endossa a metodologia proposta por Ernst Würthwein, que declara, dentre outras coisas, que, em caso de conflito insolúvel entre o Texto Massorético e outras versões, o benefício da dúvida deve ser concedido a ele.

No ano passado, porém, li um livro que traz uma descrição diferente do valor da Septuaginta. Trata-se do Old Testament exegesis: a primer for students and pastors, de Douglas Stuart, publicado originalmente em 1980 (estou informado de que o livro foi traduzido e publicado no Brasil, mas o exemplar a que tive acesso estava em inglês mesmo). Vejamos o que ele diz sobre a Septuaginta em seu último capítulo Exegesis aids and resources (a tradução é minha):

"Essa versão representa uma tradução do hebraico que começou a ser feita no século III a.C.. Sua importância não pode ser minimizada. Em média, ela é uma testemunha tão confiável e exata do palavreado original do Antigo Testamento (os 'autógrafos') quanto o Texto Massorético. Em muitas seções do Antigo Testamento, ela é mais confiável que o Texto Massorético; em outras, menos. Em larga medida porque a língua grega usa vogais e a hebraica não, o palavreado da LXX era menos ambíguo e a LXX tinha, por natureza, menor probabilidade de ser distorcida por corrupções textuais que a versão hebraica, que foi acumulando corrupções (assim como expansões editoriais, etc.) por muitos séculos depois que a LXX foi produzida."

Portanto, se bem os entendi, Archer confia no valor da Septuaginta muito menos que Stuart, especialmente em comparação com o Texto Massorético. E agora? Quem tem razão?

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Diário de viagem II

Como fiz no post anterior, também transcrevi em meu blog, com poucos comentários pessoais, alguns trechos interessantes da visita de Camus ao Brasil. Por ter sido narrada com mais detalhes, porém, esse post será complementado por um outro, num futuro próximo.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Um mundo com significado VI

Desde os meus quinze anos, mais ou menos, tenho andado um pouco frustrado por não conhecer a demonstração do teorema de Pitágoras. Não, porém, frustrado o suficiente para ir procurar por ela. O quarto capítulo do livro em questão, no entanto, traz uma demonstração simples e bela, que é a inventada pelo próprio Euclides. Tão simples e bela que não entendo por qual motivo nunca me foi ensinada na escola. Mas não importa. Agora sou uma pessoa um pouco mais feliz que antes. Mesmo que o livro não tivesse outros aspectos interessantes, sua leitura já teria valido a pena só por isso.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Diário de viagem

Ganhei da Norma, no último Natal, esse livro de cerca de 150 páginas. É de autoria do célebre escritor francês Albert Camus. Publiquei no outro blog os trechos que julguei mais interessantes da primeira parte do livro, em que o autor narra sua viagem pelos Estados Unidos e pelo Canadá, realizada em 1946. Fiz também alguns comentários a respeito; poucos, pois Camus é um escritor suficientemente bom para que valha a pena deixá-lo falar por si mesmo.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Nem Marx nem Jesus XVI

Enfim concluí a leitura do livro, e escrevo agora para resumir minhas impressões. O livro foi suficientemente instigante para merecer dezesseis posts, incluindo três mais longos que acabaram indo para meu outro blog. Isso é particularmente notável, já que a política ocupa, em minha lista de interesses, uma posição muito abaixo da teologia, da filosofia, da literatura, da história e da ciência, por exemplo.

De modo geral, o livro satisfez a expectativa produzida em minha mente pela leitura dos comentários iniciais de Mary McCarthy e a resposta do próprio Revel. No final do primeiro post sobre o livro, escrevi:

"Tenho uma impressão preliminar de que, embora seja provável que ele confundirá algumas coisas, considerando bons alguns fatos que são ruins e vice-versa, a essência do que ele diz é correto e pertinente: parece que a maior parte das grandes transformações que têm conquistado o mundo vem dos Estados Unidos. E isso inclui as boas, as ruins, as boas que muitos consideram ruins e as ruins que muitos consideram boas."

Agora, porém, posso ser mais preciso. Revel nutria uma admiração lamentável pela esquerda americana, atribuindo a ela muitos dos méritos que na verdade pertencem à oposição conservadora, e possuindo sobre o movimento conservador a mesma opinião flagrantemente falsa sustentada pela esquerda no mundo todo. Em particular, ele considerou a esquerda americana amiga das liberdades, e os conservadores como censores. Eu gostaria de saber o que ele diria hoje, quando a inversão da realidade contida nessa opinião se tornou muito mais patente. Tenho esperança de que, depois de 1970, Revel tenha modificado suas posições quanto ao conservadorismo e a esquerda americana, pois ele me pareceu sensato e bem informado demais para continuar ignorando a verdade por mais 36 anos (pois Revel morreu em 2006).

Não devo encerrar sem um breve esclarecimento sobre o título do livro, cuja razão de ser permaneceu enigmática até o último capítulo, que traz o mesmo nome. Na verdade, o título não é explicado diretamente em parte alguma, mas creio que se refere ao rumo que Revel cria (ou pelo menos esperava) que seria tomado pelo mundo, seguindo a iniciativa e a liderança dos Estados Unidos. O filósofo francês procura demonstrar que as possibilidades que se abrem nesse país não se enquadram nos esquemas precedentes já vividos ou tentados pela humanidade: ali não há um conservadorismo capitalista solidamente instalado sem contestação séria, e tampouco há um espírito revolucionário ditado pelas categorias ultrapassadas do século XIX. Jesus e Marx simbolizam e personificam essas duas tendências, que são os dois únicos polos captáveis pela mente esquerdista tradicional, incapaz de conceber algo fundamentalmente distinto de ambas. Eis a razão pela qual ninguém na Europa Ocidental dos anos 60 conseguia entender direito o que realmente se passava na América. E foi a fim de esclarecer isso que Revel escreveu o livro.

Para encerrar, acrescento que eu recomendaria a leitura desse livro a um esquerdista: embora seja também esquerdista, Revel pode ser muito salutar para uma cabeça intoxicada de marxismo.