quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Poemas de amor, poemas de guerra VII

Demorei para entender o título do trabalho da Norma, mas creio que enfim consegui, e vou tentar explicá-lo em poucas palavras.

Meschonnic entende a literatura como oposição manifesta a algo que é denominado "signo", termo que designa tudo aquilo que se opõe à originalidade, que repete o já dado na história da literatura, nas formas linguísticas vigentes, na cultura, no mundo, na realidade. Nenhuma criação humana pode fugir de todo ao signo. (E aqui cabe uma observação bem tolkieniana: não pode porque o homem não é criador de fato, e sim mero subcriador.) Mas a boa literatura se distingue da má por não ignorar essa limitação e tentar vencê-la parcialmente, na medida do possível.

Outro aspecto importante do pensamento de Meschonnic é sua oposição aos diversos racionalismos literários e filosóficos. Ele rejeita a pretensão de objetividade que (à maneira de Kant, digo eu) faz do observador um "puro sujeito" e da coisa observada um "puro objeto", transformando numa aridez gélida nossa relação com tudo o que se situa fora de nós. Em harmonia com essa ideia fundamental, o crítico francês sustenta que não devemos "analisar" um poema como quem disseca um cadáver ou desmonta um motor, mas sim nos aproximar dele de igual para igual, como quem está diante de um outro sujeito, não de um objeto.

Há uma coerência notável entre a obra de Meschonnic como crítico e sua produção como poeta. Seus poemas buscam dar conta dessas duas facetas, e portanto são simultaneamente de amor e de guerra. De guerra contra o signo, em luta por uma autêntica originalidade. E de amor, porque tentam dissuadir o leitor da atitude de examinador impassível de um objeto sem vida.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

The fractal geometry of nature VII

Depois de passar pelo capítulo 39, que é o mais longo e chato do livro todo (para mim, ao menos; um matemático poderia achá-lo interessantíssimo), fui recompensado pelo capítulo 40, que traz importantes notas históricas e biográficas sobre certos pesquisadores dos mais diversos objetos - da matemática pura às enchentes do Nilo - cujos estudos contribuíram de alguma forma para o desenvolvimento da teoria dos fractais. Para compor esse capítulo, Mandelbrot escolheu propositalmente indivíduos que, por razões diversas, não foram bem aceitos pela comunidade acadêmica de sua época e permaneceram marginalizados, a despeito de possuírem algumas ideias notáveis ou mesmo geniais.

O caso mais impressionante é o do matemático francês Louis Bachelier (1870-1946), que, sem dar muita atenção às publicações acadêmicas disponíveis em sua época, deu contribuições muito originais à teoria das probabilidades, aplicáveis a campos tão diversos quanto a economia e a física. Aliás, ele desenvolveu o aparato matemático necessário à elucidação do movimento browniano em sua tese de doutorado, defendida em 1900, cinco anos antes que Einstein publicasse seu famoso artigo contendo a explicação do fenômeno. A despeito disso e de outros fatos notáveis, a banca examinadora, que incluía o célebre Henri Poincaré, não se impressionou com seu trabalho e aprovou-o com uma nota baixa. E, apesar de sua enorme produtividade como pesquisador, Bachelier passou boa parte da vida tentando obter o cargo de professor em alguma universidade, até consegui-lo, enfim, na pequena Universidade de Besançon (espero que o Ewan leia isto). Mandelbrot dá valor a excêntricos desse tipo, naturalmente, já que ele próprio foi marginalizado durante décadas. Ele resume nas seguintes palavras o problema fundamental vivido por seu predecessor:

"A tragédia de Bachelier foi a de ser um homem do passado e do futuro, mas não de seu presente. [...] Infelizmente, nenhuma comunidade científica organizada de seu tempo estava em condições de compreendê-lo e recebê-lo bem. Ganhar aceitação para suas ideias requeria supremas habilidades políticas, que ele evidentemente não possuía."

Tudo isso serve muito bem para denunciar um erro que vem atraindo cada vez mais a minha atenção: o de conceder demasiada importância às opiniões da "comunidade científica". Conheço gente que acredita prontamente em qualquer afirmação que venha precedida pelas palavras "Os cientistas descobriram que...". E isso sobre qualquer assunto, desde teologia até dietas. Eu, que há anos desisti de aceitar a autoridade da academia sobre os temas mais importantes da vida, estou agora aprendendo a desconfiar dela até quanto aos assuntos estritamente técnicos de cada especialidade. A mim parece plenamente evidente que a ciência é um empreendimento tão cheio de erros quanto qualquer outro já inventado pelo homem, e que a comunidade encarregada de levá-lo a efeito é no mínimo tão cheia de manias e dogmas quanto qualquer outra. Se não fosse assim, nenhum gênio precisaria de habilidades políticas para ser bem recebido em seu meio.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Poemas de amor, poemas de guerra VI

A decepção chegou depois de eu ter lido uns três quartos da tese. Descubro que Meschonnic, após ter dito tantas coisas interessantes sobre o reducionismo das diferentes ênfases interpretativas, sobre a importância do ritmo no texto e sobre várias outras coisas, é apenas um daqueles pós-modernos que não gostam de definir com precisão os conceitos fundamentais porque a limitação tira toda a graça do negócio. E, movido por essa convicção, se perde em considerações sobre as limitações da linguagem apenas para poder vir depois com aquele papo de "não estou entendendo nada mas, pensando bem, isso é ótimo". Ora bolas! Estou decepcionado; mas não deveria estar, na verdade. Não se pode esperar muito de um sujeito que não é cristão, nem mesmo no sentido mais amplo possível dessa palavra. Continuo, pois, à procura de um intelectual não-cristão que seja capaz de fugir do racionalismo sem cair no irracionalismo, ou vice-versa.

Adendo: Perdoem-me os leitores por este post tão pouco natalino. Não sou contra a celebração do Natal, nem nada do tipo. Tanto é que deixei programada com antecedência a publicação deste breve post para poder melhor comemorá-lo. Feliz Natal a todos!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

The fractal geometry of nature VI

Ainda no livro que está dentro do livro, Mandelbrot conta algo sobre um modelo matemático e computacional, desenvolvido por ele, capaz de fornecer superfícies cuja forma é muito semelhante à de montanhas verdadeiras; segundo ele, ninguém tinha conseguido produzir montanhas convincentes dessa forma até então. (Infelizmente não consegui localizar essa figura na internet.) Em seguida, ele faz um comentário que, ao mesmo tempo em que traz um tom de desabafo e irritação, revela algo sobre sua interessante concepção da ciência:

"É muito estranho que vários observadores, depois de comentarem brevemente que a caracterização do relevo com base apenas nos critérios de invariância e continuidade é engenhosa e eficiente, passam a criticar longamente essa abordagem porque seus critérios são abstratos demais e não podem ser deduzidos a partir de 'modelos' explícitos ou mecanismos geradores, seja antes ou depois do fato.

Reluto em replicar grosseiramente criticando as teorias concretas e amplamente aceitas sobre o relevo por fracassarem na tentativa de proporcionar paisagens artificiais com realismo sequer comparável às obtidas por minhas teorias 'abstratas'. Parece-me melhor apontar que muitas das melhores teorias da ciência começaram com primorosas combinações de pistões, cordas e polias, apenas para terminar (várias gerações mais tarde) em princípios de invariância explícitos. Desse ponto de vista, o trabalho que levou às presentes ilustrações, assim como outros estudos de caso feitos neste ensaio, começam da linha de chegada. Será que isso é motivo para tanta infelicidade?"


Creio que o autor está se referindo ao surgimento da própria teoria eletromagnética de Maxwell, cujas equações, segundo li em algum lugar, foram deduzidas a partir de um modelo consideravelmente "mecânico" que mais tarde foi abandonado. Ou mesmo da própria mecânica, que teve início em considerações puramente cinemáticas - isto é, relativas à mera descrição dos movimentos -, para só mais tarde receber uma interpretação em termos de forças e conservação de momento e energia; esses princípios de conservação são exemplos dos critérios de invariância mencionados por Mandelbrot.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Poemas de amor, poemas de guerra V

A relação entre a tradição e a originalidade na arte é um tema que julgo cada vez mais fascinante. Descobri agora que a oposição entre tradicionalismo e ruptura na crítica literária é um dos dualismos combatidos por Meschonnic. Transcrevo abaixo um interessante trecho da tese da Norma que explica isso muito bem, e faço alguns comentários em seguida.

"Meschonnic detecta, assim, uma série de mal-entendidos com relação ao termo 'moderno'. O primeiro seria delimitá-lo através de um critério meramente temporal, o que seria encerrá-lo em um historicismo; ou então, de modo oposto mas análogo, perpetuar a tendência, bastante corrente, de situar o valor literário das obras ditas 'modernas' na ruptura com a tradição. Dessa forma, a modernidade para Meschonnic se configuraria na aposta na multiplicidade e em uma abertura para o novo, características que não se opõem necessariamente à tradição, e que são atemporais. Segundo o autor, no rastro deste dualismo 'tradição e ruptura' estariam, curiosamente, tanto os detratores da modernidade quanto seus entusiastas: os primeiros, defendendo uma volta ao tradicionalismo, valem-se da consagração de determinados autores e obras para alçá-los a modelos; os segundos, desejando a condenação da tradição ao esquecimento, pregam a imanência de um 'novo' que por sua vez passa a absoluto, totalitário, porque disposto a tomar o lugar do que era consagrado, obtendo para si o mesmo reconhecimento como 'modelo'. Em ambas as posições, estaria presente como que um mito da 'juventude eterna', ou seja, a negação da historicidade, de que os 'modelos' para a obra artística necessariamente caducam e de que o novo na arte é um movimento contínuo no tempo, para a frente e para trás."

Não sei se esse conceito é válido enquanto retrato da modernidade. Sinto-me mais propenso a acreditar que Meschonnic fez com a literatura moderna o mesmo que Karl Popper fez com a ciência moderna: defini-la, não pelo que ela é, mas pelo que julga que deveria ser, a fim de criticar os que fazem com que ela seja o que não deve ser, e assim, quem sabe, torná-la mais semelhante ao que sempre deveria ter sido. Seja como for, penso que esse aspecto da concepção de Meschonnic sobre a arte é muito salutar, e que pelo menos alguns modernos a endossaram, se não com sua reflexão teórica, ao menos com suas obras propriamente artísticas em geral e literárias em particular.

Mas também achei interessante esse trecho por uma outra razão, não vinculada à literatura. Nós, que não caímos na conversa fiada dos progressistas e revolucionários, e que ficamos horrorizados com certos "progressos" que se fazem por aí, corremos o risco de cair num erro aparentemente oposto, mas que no fundo é a mesma coisa: a idealização do passado, de um tempo em que tudo era melhor e mais lindo. Trata-se de um erro comum dos conservadores, e do qual eu mesmo me apercebi há não muito tempo. Espero um dia poder compreender melhor essa questão e escrever mais a respeito.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

The fractal geometry of nature V

O livro é cheio de ilustrações belas, ou pelo menos interessantes, mas entre as páginas 276 e 277 há uma seção de dezesseis páginas contendo ilustrações coloridas acompanhadas de explicações. O autor chama essa seção de Um livro dentro do livro - talvez em alusão a uma propriedade, exibida por muitos fractais, que os leva a apresentar cópias exatas (ou quase) de si mesmos em escalas cada vez menores - e declara que ele "é dedicado à proposição de que, se 'ver é crer', ver em cores pode levar a uma crença ainda mais intensa".

Há várias coisas interessantes nessa parte da obra, mas o que me chamou a atenção aparece já na primeira página. Trata-se desta figura, que encontrei reproduzida no site Blingdom of God:


Conforme demonstra o trecho que publiquei na segunda postagem sobre este livro, Mandelbrot gosta de citar evidências de que os antigos vislumbraram na natureza algo que escapa à geometria euclidiana e só pode ser descrito rigorosamente por sua teoria dos fractais. Essa figura é um bom exemplo: é uma representação da criação do mundo presente em um códice bíblico copiado na primeira metade do século XIII, e que hoje está na Biblioteca Nacional da Áustria, em Viena. A legenda diz, em um velho dialeto francês: "Aqui Deus cria o céu e a terra, o sol e a lua, e todos os elementos". Sempre bem-humorado, Mandelbrot publicou-a adaptando a legenda, que passa a dizer: "Aqui Deus cria os círculos, as ondas e os fractais".

De fato, a gravura mostra um mundo esférico, contendo não só massas de forma esférica ou ondulada, mas também uma matéria escura cuja forma lembra muito a de certos fractais apresentados em outras partes do livro.

Cada vez mais me convenço de que tenho razão em admirar Mandelbrot não só como matemático, mas também como escritor de textos científicos. A forma pessoal com que ele se expressa, deixando entrever um interessante senso de humor e uma notável sensibilidade histórica e artística, me parece muito agradável. Todo cientista deveria escrever assim.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Salmo antiperenialista

Louva, Jerusalém, ao Senhor; louva, Sião, ao teu Deus.
Pois ele reforçou as trancas das tuas portas
e abençoou os teus filhos, dentro de ti;
estabeleceu a paz nas tuas fronteiras
e te farta com o melhor do trigo.
Ele envia as suas ordens à terra,
e sua palavra corre velozmente;
dá neve como a lã e espalha a geada como cinza.
Ele arroja o seu gelo em migalhas;
quem resiste ao seu frio?
Manda a sua palavra e o derrete;
faz soprar o vento, e as águas correm.
Mostra a sua palavra a Jacó,
as suas leis e os seus preceitos, a Israel.
Não fez assim a nenhuma outra nação;
todas ignoram os seus preceitos.
Aleluia!

(Salmo 147.12-20)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Cinco pecados que ameaçam os calvinistas II

Apreciei imensamente a leitura desse livreto, que me edificou muito. Seu objetivo é chamar a atenção dos cristãos calvinistas para pecados pouco percebidos aos quais, no entanto, eles não estão imunes. São eles:

1. Orgulho espiritual, entendido como um sentimento de superior percepção espiritual que leva ao desprezo dos irmãos;

2. Intolerância fraternal, que é a falta de amor aos irmãos em virtude de seus pecados ou de suas concepções teológicas equivocadas;

3. Acomodação no aprendizado, ou seja, a pretensão de já ter aprendido o suficiente sobre as verdades espirituais;

4. Falta de ação, decorrente de uma compreensão equivocada de nossas responsabilidades frente à soberania de Deus;

5. Isolamento, que consiste em apreciar a tradição reformada, seus protagonistas e suas conquistas mais como relíquias de antiquário que como exemplos a serem aplicados no contexto de nossa vida.

Na curta (mas belíssima) conclusão, o autor faz um apelo para que "não apliquemos esses alertas aos nossos conhecidos ou vizinhos, mas que possamos realmente, com sinceridade, buscar a presença de Deus e verificar se não estamos sendo alvo das ciladas de Satanás, caindo nesses cinco ou mais pecados". Seguindo, portanto, essa exortação, confesso que só em tempos recentes o Espírito tem começado a debelar dentro de mim o primeiro pecado, que creio ter sido, no meu caso, o pior de todos. O segundo, o quarto e o quinto também são ameaças constantes. Apenas do terceiro posso dizer que Deus tem me mantido constantemente a salvo. A Ele, pois, toda a glória!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Calvinismo, Abraham Kuyper (1)

Eu e André estamos apaixonados pela leitura (a dois) de Calvinismo, de Abraham Kuyper. Para o autor, uma das três condições para a caracterização de um verdadeiro "sistema de vida" (ou o que eu talvez chamaria de "cosmovisão singular e frutificadora") é a precisa especificidade sobre a relação com Deus. (Os outros dois são: relação com o homem e relação com o mundo.)  Assim, muito didaticamente, temos:

1. Paganismo: Deus está na criatura.
2. Islamismo: Deus está separado da criatura.
3. Catolicismo: relação entre Deus e a criatura é mediada pela igreja.
4. Modernidade: negação de Deus.
5. Calvinismo: relação direta entre Deus e a criatura.

É interessante notar a contrapartida: nas demais cosmovisões apontadas por Kuyper há ou fusão (no paganismo), ou dualismo (separação, obstáculo ou apagamento de uma das pontas). A ideia de relacionamento só é plena no calvinismo. Ocorre-me, assim, que o Calvinismo é a única cosmovisão que traduz de modo acertado a ideia bíblica do casamento como uma figura central para o encontro entre Cristo e a igreja (ou seja, Deus e a criatura). O amor íntimo e sem reservas que pressupõe o relacionamento do casal precisa desse caráter não fusional, mas direto e dinâmico.

E, agorinha mesmo, vi essa leitura surpreendentemente complementada por Allister McGrath em A vida de João Calvino, quando observa na p. 175 que "repetidamente Calvino apela para a fórmula baseada na cristologia, distinctio sed non separatio", para tratar da união não fusional entre a divindade e a humanidade em Jesus Cristo. Novamente, é no calvinismo que temos a noção mais acurada dessa dualidade: assim como Cristo é Deus e homem ao mesmo tempo, o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos não é a mesma coisa, mas são duas coisas distintas que, no entanto, não podem ser separadas. Esse padrão (junto mas não indistinto) é uma constante no calvinismo e, para mim, é um dos aspectos mais importantes do âmago identitário dessa cosmovisão. Algo que faz toda a diferença quanto a ser saudável não só em teologia, mas em tudo o mais.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

The fractal geometry of nature IV

Dois interessantes parágrafos na mesma página, a 168. O primeiro narra uma daquelas ocorrências pitorescas que só a história da ciência parece capaz de produzir. (Não se assustem com as palavras iniciais.)

"Dado um grupo G baseado em inversões, pode acontecer que o clã de todo domínio S cubra todo o plano. Por razões que ficarão claras no capítulo 20, proponho que tais grupos sejam chamados 'caóticos'. Os grupos não-caóticos devem-se a Poincaré, mas são chamados kleinianos. Poincaré havia atribuído algum outro trabalho de Klein a L. Fuchs, Klein protestou e Poincaré prometeu dar o nome de Klein a sua próxima grande descoberta. E assim ele fez!"

E o segundo diz algo sobre a relação entre a geometria e a arte, assunto que não pode deixar de vir à mente quando se trata de fractais.

"Poucos dos admiradores de Maurits Escher sabem que a inspiração desse célebre desenhista frequentemente vinha direto de matemáticos e físicos 'desconhecidos' (Coxeter 1979). Em muitos casos, Escher adicionou decorações a tesselações auto-inversas conhecidas por Poincaré e ilustradas extensivamente em Fricke & Klein 1897."

É claro que eu, que desconhecia até o nome inteiro do artista, não poderia saber de uma coisa dessas.

Os trabalhos mencionados são, segundo as referências bibliográficas do próprio livro, os seguintes:

COXETER, H. S. M., 1979. The non-euclidean symmetry of Escher's picture "Circle limit ill". Leonardo 12, 19-25.

FRICKE, R. & KLEIN, F., 1897. Vorlesungen über die Theorie der automorphen Functionen. Leipzig: Teubner.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Feliz ano velho

Aqui vai um resumo de minhas impressões sobre o primeiro livro que ouvi na vida (sim, era um audiolivro), há poucos meses: Feliz ano velho, publicado em 1982 por Marcelo Rubens Paiva, que hoje é colunista do jornal O Estado de São Paulo. A obra revela um autor vulgar, mulherengo, lascivo, ignorante, superficial, fanfarrão e exibicionista. Alguns trechos chegam a ser pornográficos. Eu nunca li nada desse autor, e não pretendo voltar a fazê-lo a menos que alguém digno de confiança me garanta que ele cresceu e amadureceu muito nas últimas décadas.

Mas a obra tem suas qualidades. Apesar do humor barato e da falta de valor literário, algumas das histórias narradas são interessantes. O principal valor do livro reside no vívido detalhamento da luta interior e exterior do autor, que ficou tetraplégico aos vinte anos, ao mergulhar de cabeça num lago de meio metro de profundidade, e tenta por todos os meios se reintegrar no mundo. A descrição psicológica do drama vivido por um deficiente físico chega a compensar em parte os aspectos negativos.

Um detalhe que vale a pena mencionar é que, nos momentos mais dramáticos, a narração tem fundo musical, e a maioria das músicas foi extraída da trilha sonora de O Senhor dos Anéis. Péssima combinação! Pior que isso, só ler o Alcorão ouvindo música sertaneja, como tive de fazer uma vez, durante uma viagem de ônibus.