segunda-feira, 30 de maio de 2011

Produção de mudas e manejo fitossanitário dos citros IV

Quase um terço do livro é ocupado pelo quarto capítulo, intitulado Manejo de pragas dos citros. Nove espécies de ácaros são mencionadas. Uma delas é a disseminadora do vírus da leprose, que em três meses leva à queda das folhas e ao secamento dos ramos atacados pelo ácaro, num processo que pode levar à morte da planta. Os frutos também podem ser atacados; nesse caso, caem após cinco semanas e não são aproveitáveis. Outras espécies trazem efeitos menos perigosos: diminuição da fotossíntese, diminuição da concentração de suco nos frutos, deformação dos frutos, necrose nas folhas. Acaricidas, ácaros predadores e fungos parasitóides são as armas de combate mais eficazes contra esses bichinhos. Todos eles possuem menos de 0,5mm de comprimento. Sendo tão pequenos, são facilmente transportados pelo vento e pelas roupas das pessoas. O uso de quebra-ventos e a redução ao mínimo necessário do trânsito de pessoas pelos pomares são medidas desejáveis para diminuir a propagação dos ácaros. Eu só havia visto, até hoje, folhas de laranjeira contaminadas pelo ácaro purpúreo; gostei de saber um pouco mais sobre esses pequenos aracnídeos.

Nesse mesmo capítulo, cinco espécies de insetos são apresentadas como as mais nocivas. Em primeiríssimo lugar, é claro, está o psilídeo Diaphorina citri, transmissor da bactéria Candidatus liberibacter, causadora do greening, doença cujo diagnóstico me esforcei para melhorar em meu trabalho de mestrado. Sua gravidade se deve ao fato de tornar os frutos impróprios para consumo, propagar-se com grande rapidez e afetar todas as variedades comerciais. (Na verdade, afeta até plantas não-cítricas, como murtas e batatas.) O controle da doença se faz por meio da inspeção periódica dos pomares seguida de erradicação das plantas doentes. Inseticidas também são utilizados.

O segundo inseto mencionado é a cigarrinha, transmissora da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da CVC (clorose variegada dos citros). Na verdade, há doze espécies de cigarrinhas capazes de transmitir a doença. Algumas delas se alimentam e reproduzem em outras espécies de plantas. A CVC é menos grave que o greening, pois, sendo a doença identificada em sua fase inicial, pode-se apenas podar os ramos que apresentam sintomas. Além dos inseticidas, podem ser utilizadas armadilhas adesivas, que não atraem os psilídeos.

O terceiro inseto é a cochonilha ortézia, a mais nociva dentre as cochonilhas (insetos semelhantes a pulgões) que atacam citros. Elas sugam grandes quantidades de seiva, e os restos de seiva derramados causam o crescimento de fungos que dificultam a respiração e a fotossíntese da planta, além de atrair formigas. As plantas afetadas produzem menos folhas e frutos de má qualidade. Formas específicas de pulverização são utilizadas para combater esse inseto.

O quarto inseto é a larva do bicho-furão, praga que ataca várias frutas, como goiabas, lichias, mangas, frutas-do-conde, bananas e cocos. A acidez dos frutos verdes provoca elevada mortalidade das larvas, de modo que as fêmeas preferem os frutos maduros. O fruto atacado torna-se inútil, e o prejuízo pode ser de até duas caixas de laranjas a menos por árvore. Os hábitos do inseto adulto são noturnos, de modo que o período ideal para a pulverização se dá no crepúsculo.

Por último estão várias espécies de moscas-das-frutas, insetos que se hospedam em diversos tipos de plantas. Suas larvas também causam o apodrecimento dos frutos. Os métodos de combate são o uso de armadilhas alimentares envenenadas e a coleta e destruição de frutos que contêm larvas.

Além disso tudo, há informações sobre pragas menos importantes e sobre medidas de controle biológico que vêm sendo desenvolvidas para as pragas mencionadas. Nada disso me pareceu muito interessante. De qualquer modo, o exposto acima já é suficiente para que se perceba que vida de citricultor não é nada fácil. O problema vai muito além dos "cardos e abrolhos", que não são mais que exemplos ilustrativos.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

The consolation of philosophy X

Aqui vão algumas opiniões e comentários que tenho a fazer sobre os trechos do Livro V de The consolation of philosophy, de Boécio, que traduzi e publiquei no meu outro blog em duas partes (parte 1 e parte 2). Os trechos comentados aparecem entre aspas e em itálico, e minhas palavras vêm em seguida.

1. "Podemos ver muitas ações se desenvolvendo diante de nossos olhos; assim como os condutores de carruagens veem o desenvolvimento de suas ações enquanto controlam e guiam suas carruagens, e muitas outras coisas igualmente. Alguma necessidade impele alguma dessas coisas à ocorrência? É claro que não."

Essa negação está longe de me parecer autojustificada, de modo que não posso concordar com Boécio neste ponto. No entanto, esse fato parece afetar muito pouco a essência de seu argumento.

2. "Daí se segue que são coisas cuja ocorrência é inteiramente livre de necessidade."

Boécio várias vezes utiliza termos que considero inapropriados para qualificar a liberdade humana: "absoluta", "inteiramente livre", "perfeitamente livre e irrestrita", "perfeita". Isso é, na melhor das hipóteses, um exagero.

3. "Pois não penso que haja algum homem que dirá isso, que as coisas que são feitas no presente estavam para acontecer no passado, antes que acontecessem."

Hoje em dia há muita gente que pensa assim. Seguindo o teólogo McGregor Wright (só para dar um exemplo que li recentemente), dou a isso o nome de determinismo.

4. "Pois todo objeto que é conhecido não é compreendido de acordo com sua própria força, e sim de acordo com a natureza daqueles que o conhecem."

A defesa desse ponto de vista é, em minha opinião, o que há de mais interessante na exposição de Boécio.

5. "Nos dias antigos o Pórtico de Atenas nos deu homens que enxergavam mal, como se fossem velhos. Eles se convenceram de que as sensações dos sentidos e a imaginação não eram senão impressões feitas por corpos sobre uma mente que nada continha, assim como o antigo costume era de imprimir com ágeis canetas letras sobre a superfície de uma barra de cera que não continha marca alguma."

Refere-se aos estóicos, e o ponto de vista aqui corretamente denunciado como falso tornou-se muito popular no século XVIII, gerando toda uma corrente da filosofia inglesa: o empirismo.

6. "Portanto, se nós, que compartilhamos da posse da razão, pudéssemos ir além e possuir o juízo da mente de Deus, pensaríamos então ser mais justo que a razão humana se rendesse à mente de Deus, assim como determinamos que os sentidos e a imaginação devem se render à razão."

Eis a essência do argumento de Boécio para a compatibilidade entre a onisciência de Deus quanto ao futuro e a liberdade humana. Ele não fala em termos de decreto divino, e sim apenas da presciência. Apesar disso, tenho a impressão de que seu argumento permite estender a mesma conclusão ao primeiro.

7. "Portanto, desde que tudo o que é conhecido é apreendido, como já mostramos, não de acordo com sua natureza, e sim de acordo com a natureza do conhecedor, examinemos, até onde pudermos, o caráter da natureza divina, de modo a sermos capazes de aprender o que é esse conhecimento."

Também achei muito interessante o contexto no qual Boécio introduziu sua clássica definição de eternidade. Eu já a conhecia, naturalmente, mas entendê-la à luz da discussão precedente sobre a diferença entre os modos de conhecimento das mentes divina e humana foi, para mim, deveras surpreendente.

8. "Portanto, pessoas que ouvem que Platão pensava que este universo não teve princípio no tempo e não terá fim não estão corretas em pensar que dessa forma o mundo criado é coeterno com seu Criador."

Boécio aparentemente subscreve a tese da infinitude temporal do mundo, que ele, no entanto, distingue da eternidade propriamente dita. Eu, naturalmente, não concordo com ele nesse ponto, mas não deixa de ser logicamente válida a desvinculação promovida por ele entre a ideia de independência ontológica da matéria em relação a Deus e a mera existência temporalmente irrestrita dessa mesma matéria.

9. "Por que, então, exiges que todas as coisas ocorram por necessidade, se a luz divina repousa sobre elas, enquanto os homens não julgam necessárias essas coisas tais como as veem?"

Embora isso esteja longe de constituir por si só um argumento contra o determinismo, considero sensato esse apelo à experiência humana, sobretudo na ausência de evidência conclusiva em contrário.

10. "Por exemplo, quando vês ao mesmo tempo um homem caminhando sobre a terra e o sol se levantando nos céus, vês ambas as coisas simultaneamente, e contudo distingues entre elas e decides que um está se movendo voluntariamente, e o outro necessariamente."

Boécio parece tomar os termos "livre" e "voluntário" como sinônimos. Oponho-me a esse uso. A fim de evitar confusão, prefiro entender como "voluntário" um ato que é consoante à vontade do agente, pouco importando se ela é livre ou não.

11. "De modo semelhante, a percepção de Deus desce sobre todas as coisas sem perturbar de modo algum sua natureza."

Esse argumento é falho por ignorar que Deus não é mero observador casual e passivo dos eventos que se desenrolam, e sim possibilitador e autor do decreto que conduz a eles. Apesar disso, creio haver algo de válido nessa afirmação: a percepção de que a natureza e o rumo das coisas não são alterados ou restringidos pelo mero testemunho da mente divina.

12. "Pois há dois tipos de necessidade. Uma é simples; por exemplo, um fato necessário, 'todo homem é mortal'. A outra é condicional; por exemplo, se sabes que um homem está andando, ele só pode estar andando."

Essa distinção entre os dois tipos de necessidade, a simples e a condicional, é muito útil e deveria permanecer na mente das pessoas. O esquecimento dessa distinção leva à confusão da infalibilidade do decreto divino com uma determinação inerente às coisas.

13. "Podes mudar teu propósito, mas desde que toda verdade da Providência sabe em seu presente que podes fazer assim, e se o farás, e em que direção o mudarás, não podes fugir à presciência divina; assim como não podes evitar o olhar de um olho presente, embora possas por tua livre vontade entregar-te a todo tipo de ação."

Essa afirmação demonstra que Boécio de fato não fez plena justiça ao decreto divino enquanto tal, e sim apenas à presciência. Desse modo, não me parece que ele tenha alcançado uma solução completa para o problema.

14. "Pois esse poder de conhecimento, mesmo no presente e abarcando todas as coisas em sua percepção, restringe todas as coisas, e nada deve aos eventos futuros, dos quais nada recebeu."

Apenas aqui parece haver um vestígio do decreto divino.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Produção de mudas e manejo fitossanitário dos citros III

O terceiro capítulo é sobre a mosca negra dos citros, que na verdade não é uma mosca, e não é sequer um inseto díptero (ordem das moscas e pernilongos), e sim um hemíptero (ordem dos barbeiros e percevejos). Além de não ser mosca, o inseto não é "dos citros" em nenhum sentido especial, pois ataca mais de trezentas espécies de plantas, entre as quais se encontram os pés de caju, abacate, café, manga, banana, uva e goiaba. E, a julgar pelas fotos, não é tão negra assim. O nome do bicho é, pois, bastante impróprio.

A "mosca" "negra" "dos citros" não é uma das pragas mais severas da citricultura; suponho que um capítulo exclusivo lhe foi dedicado pelo fato de ter ela sido descoberta no Estado de São Paulo apenas em 2008, ano da publicação do livro. As ninfas do inseto atacam as folhas novas da planta, causando o derramamento de fluidos. Esse fato leva à proliferação de fungos, que atacam folhas e frutos, dificultando a respiração e a fotossíntese, e atrai formigas e outros insetos nocivos. Há apenas um inseticida funcional para essa espécie. Isso é péssimo, pois é a variação do inseticida que impede o crescimento de variedades resistentes ao princípio ativo. Por isso, a forma mais eficaz de controle dessa doença é biológica: dois fungos parasitóides e dois insetos predadores têm sido cultivados artificialmente para combater nos pomares o hemíptero em questão.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

The consolation of philosophy IX

Conforme prometi, publico a segunda parte do trecho do Livro V, em que Boécio expõe sua teoria sobre a compatibilidade entre a liberdade do homem e a soberania de Deus. Quem se interessar poderá lê-la aqui.

domingo, 1 de maio de 2011

Produção de mudas e manejo fitossanitário dos citros II

Há um capítulo inteiro dedicado aos nematóides, vermezinhos minúsculos (no caso em questão, pelo menos) dos quais eu não ouvia falar desde os tempos do ginásio. Os nematóides dos citros vivem no solo e nas raízes da planta, em quantidades que podem chegar a centenas de milhares por quilograma. Se estiverem presentes em quantidade suficiente, provocam a desnutrição da planta, o que leva, por sua vez, à redução da altura, da massa foliar e do diâmetro do caule. Eles roubam os nutrientes das raízes e provocam lesões que facilitam a entrada de microorganismos nocivos.

Existem várias maneiras de combater a proliferação de nematóides. Além de cuidados com a produção das mudas e lavar bem os equipamentos utilizados no pomar, o citricultor pode optar pelo plantio de variedades resistentes a nematóides. Infelizmente, a variedade preferida pelos citricultores é também a mais suscetível aos nematóides: o limão cravo. Além disso, recomenda-se plantar em áreas não infestadas, pois os nematóides podem sobreviver no solo durante anos. Antes de aproveitar áreas infestadas, devem-se cultivar plantas que não favorecem a reprodução dos nematóides, como amendoim, mamona, tamarindo, goiaba, mamão, maracujá ou pêssego.