sábado, 31 de dezembro de 2011

O racionalismo dos irracionais IV

Aqui vai a quarta parte de meu comentário ao artigo de Felipe Sabino.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

De como (não) reagir a insultos

"Entre os comentários que se teceram até o presente, houve uma manifestação incomum que quero mencionar somente para tirá-la do caminho. Uma parcela pequena, muito pequena mesmo, das críticas veio carregada de injúrias pessoais em níveis anormais; na verdade, eram tantas num caso que as pessoas responsáveis por sua publicação em dois meios diferentes de comunicação me procuraram pessoalmente com o intuito de obter o meu consentimento. Tive de lhes assegurar que não pretendia propor uma ação legal. Tudo isso me pareceu bastante estranho. Em qualquer debate o normal é que surjam palavras duras, mas não é comum, pelo menos segundo a minha experiência, que elas beirem o limite da difamação.

No entanto, o problema de como comportar-se nessas circunstâncias é facilmente resolvido. Vamos supor que eu seja chamado, publicamente, de cleptomaníaco necrófilo (selecionei cuidadosamente duas alegações que, pelo que sei, não foram feitas). Tenho exatamente duas alternativas. A primeira, que em geral é a que prefiro escolher, é não fazer nada. A segunda é, se o aborrecimento se mostrar intolerável, processar o difamador. Existe uma alternativa que ninguém pode esperar de um homem são: isto é, discutir solenemente os argumentos, arranjar certificados de Saks e Harrods dizendo que ele nunca, de acordo com seu melhor julgamento, roubou um único objeto, obter atestados assinados por dezesseis membros da Royal Society, pelo chefe do Serviço Público, por um juiz do Tribunal de Apelação e pelo secretário do. MCC, afirmando que eles o conhecem quase a vida inteira e que nem mesmo depois de uma noitada o viram, sequer uma vez, espreitando as cercanias de um túmulo.
Não se espera uma resposta desse tipo. Ela nos rebaixaria ao mesmo nível psicológico do detrator. Temos o direito de evitar semelhante situação. Felizmente, o debate não será prejudicado se ignorarmos críticas desse teor, ou alguém associado a elas. Pois contribuições intelectuais que elas contêm outros já as fizeram, com educação e seriedade."


C.P. Snow, em Duas culturas, tratando da recepção anormalmente inamistosa a seu excelente livro: recomendo-o para quem quiser compreender um dos aspectos mais terríveis dos dualismos de nossa época.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Citação VIII: Luís de Camões

"Ouça-me o pastor e o Rei,
retumbe este acento santo,

mova-se no mundo espanto,

que do que já mal cantei

a palinódia já canto.*

A vós só me quero ir,

Senhor e grão Capitão

da alta torre de Sião,

à qual não posso subir

se me vós não dais a mão."


*: "Cantar a palinódia" é entoar um canto com outra música ou em outro tom, donde o sentido de "retratar-se". O poema é destinado à retratação do que noutro o poeta escreveu. [Nota do editor]

(Super Flumina..., em Lírica, org. por Aires da Mata Machado Filho, Belo Horizonte / São Paulo, Itatiaia /Edusp, 1982, p. 147)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Levítico II

Logo no início do comentário propriamente dito, encontrei esta interessante observação sobre o conteúdo dos sete primeiros capítulos, que traz os regulamentos a respeito dos sacrifícios:

"Em contraste com as festas prescritas em Levítico 23, que eram obrigatórias para a congregação de Israel, as ofertas descritas nesta seção eram de uma natureza mais pessoal e espontânea, e visavam a satisfação de necessidades espirituais individuais. Destarte, refletem a liberdade da abordagem a Deus que o cristão possui, salvo que para este último não é necessário nenhum sacerdote mediador, por causa da obra expiadora do grande Sumo Sacerdote. Além disto, o crente pode aproximar-se de um Deus amoroso e perdoador, com arrependimento e fé, independentemente dos formulários cultuais ou estipulações denominacionais, e achar graça para auxílio em tempos de necessidade."

Por trás destas palavras ecoa claramente o entendimento reformado do ofício sacerdotal de Cristo, posicionado pela vontade de Deus, segundo as Escrituras, como único mediador entre Deus e os homens. Do fato de que nosso Sacerdote mediador é o próprio Cristo se segue a natureza direta e pessoal da relação entre Deus e o crente, dispensando todo o aparato ritual e institucional. Conforme ressaltou a Norma em seu post sobre o livro Calvinismo, de Kuyper, essa doutrina contrasta fortemente com o ensino católico da mediação entre Deus e o homem oferecida pela hierarquia eclesiástica. E também nisso se evidencia o caráter judaizante do catolicismo, que a Norma registrou neste outro post, seguindo as perspicazes pegadas dos reformadores. Mas é interessante descobrir que mesmo a lei cerimonial do Antigo Testamento, prefigurando a plena liberdade proporcionada pela habitação do Espírito de Cristo em nossos corações, concedia um espaço maior do que muitos supõem à liberdade na adoração, na intercessão e na contrição.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Citação VII: Jean-François Revel

"Eu não acredito que a pobreza extrema seja um impedimento à participação na democracia. Nós temos, na Índia, centenas de milhões de analfabetos. Este número diminuiu, é claro, mas no começo da democracia indiana era essa a situação. Mas, como eleitores, eles sabiam muito bem o que queriam e esse seria o motivo para impor-lhes uma ditadura. Agora, se vocês quiserem uma explicação, a compreensão da situação em que nós estamos, ou seja, designar um dirigente que parece compreender os interesses do povo; na pobreza é melhor poder designar os seus dirigentes do que não. Vejo que este é um argumento que sempre me deixou estupefato: que a pobreza seja um obstáculo ao exercício da democracia ou dos direitos democráticos. Acho que, pelo contrário, é uma razão a mais para se ter a democracia. Pois o que é a democracia? É poder designar os seus próprios dirigentes e poder retirá-los, quando não estamos satisfeitos. Parece que são os pobres que têm mais necessidade disso do que os ricos, porque eles, os pobres, sofrem mais sob governos ruins. Portanto, acredito que a democracia é um remédio para o desenvolvimento e não um luxo que tem que ser atingido para o dia em que formos ricos."

(O Estado e o indivíduo, org. por Carlos Tavares e Mario Chamie, São Paulo, Serviço Social do Comércio, 1985, p. 30-31)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O racionalismo dos irracionais III

Aqui vai a terceira parte de meus comentários ao texto de Felipe Sabino de Araújo Neto.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A soberania banida IX

O capítulo oito, Uma expiação eficaz, trata não só sobre o tema da expiação limitada, mas sobre a doutrina da expiação em geral. Achei seu tratamento um tanto superficial e incompleto; a melhor abordagem resumida que conheço sobre o tema ainda é a de Louis Berkhof em sua Teologia sistemática. Apesar disso, o capítulo é bom, especialmente ao ressaltar que qualquer teoria que negue o valor penal e vicário objetivo do sacrifício de Cristo acaba contendo, de um modo ou de outro, elementos de uma teoria do exemplo moral. É o caso da teoria governamental do arminiano Hugo Grotius, pela qual, segundo Wright, Deus pretendia, com o sacrifício de Cristo, apenas induzir os pecadores ao arrependimento demonstrando-lhe a pena merecida por seu pecado.

Aproveito para comentar também o nono capítulo, denominado Há 'versículos arminianos' na Bíblia?. Não gostei muito dele, especialmente porque ali Wright me acrescentou pouquíssima coisa e destilou de novo seu racionalismo segundo as linhas que já critiquei nas postagens anteriores. Mas valeu a pena por essa citação de The Death of Death in the Death of Christ, livro de John Owen que ainda preciso ler:

"Deus impôs a sua ira devida aos homens, e por causa dela Cristo suportou as dores do inferno, seja por todos os pecados de todos os homens, ou por todos os pecados de alguns homens, ou por alguns pecados de todos os homens. Se foi por essa última opção, todos os pecados de alguns homens, então todos os homens têm alguns de seus pecados pagos, e nenhum homem será salvo. [...] Se foi pela segunda opção, que é a que sustentamos, Cristo sofreu por todos os pecados de todos os eleitos no mundo. Se é a primeira, por que, então, não são todos libertos da punição de todos os seus pecados? [O arminiano] dirá: 'Por causa da incredulidade deles; eles não crerão'. Mas essa incredulidade é um pecado ou não? Se não, por que deveriam eles ser punidos por ela? Se é [um pecado], então Cristo sofreu a devida punição por ela (ou não?). Se sim, por que deve isso impedi-los, mais que seus outros pecados pelos quais ele morreu, de partilhar do fruto de sua morte? Se ele não morreu por esse pecado, então não morreu por todos os pecados deles."

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O racionalismo dos irracionais II

Aqui vai a segunda parte de minhas considerações sobre o artigo O irracionalismo dos irracionais, de Felipe Sabino de Araújo Neto.