"Porque Deus não é injusto para olvidar vosso trabalho e o amor que tendes demonstrado para com seu nome, pois ministrastes e continuais ministrando aos santos. E desejamos que cada um de vós continue mostrando até o fim a mesma diligência para a plena certeza da esperança; para que não sejais morosos, mas imitadores daqueles que, pela fé e pela paciência, herdaram as promessas." (Hebreus 6.10-12)
Comentando o trecho destacado, Calvino faz uma série de observações muito interessantes. A primeira delas parece indicar que os destinatários da epístola sofriam do mesmo mal que hoje atinge os liberais e todos os que se apegam a uma ética puramente imanentista. O reformador acerta em cheio ao diagnosticar esse mal como pagão. O primeiro parágrafo transcrito abaixo é, talvez, mais importante hoje que no século XVI, mas demonstra que certas tentações existem desde sempre. Os outros dois parágrafos são úteis como lição sobre a natureza da fé. Eles mostram que Calvino, tão frequentemente acusado de uma frieza racionalista, tinha plena consciência da diferença entre a fé genuína e a mera convicção intelectual correta sobre assuntos espirituais.
"Assim como o autor mistura louvor com admoestação, com o fim de não irritar seus ânimos exacerbadamente, ele agora lhes dirige uma advertência sem rodeios, mostrando o que ainda lhes falta, para que sua civilidade não lhes seja uma demonstração de fingida lisonja. 'Tendes apresentado evidência de vosso amor', diz ele, 'através de muitas provas e demonstrações. Ora, resta que vossa fé corresponda ao vosso amor. Tendes ardorosamente labutado para não decairdes em vossas obrigações para com os homens; deveis agora aplicar-vos com não menos ardor ao progresso de vossa fé, como para manifestar diante de Deus que ela é firme e plenamente sólida.' Ao fazer tal declaração, o apóstolo demonstra que há duas partes no cristianismo, que são correspondentes às duas tábuas da lei. Qualquer um que separa uma da outra fica com algo dilacerado e mutilado. Desse fato evidencia-se de que sorte de mestres são aqueles que omitem qualquer menção da fé e simplesmente impõem honestidade e integridade para com os homens. Minha tese é que tal atitude não passa de filosofia pagã que se refugia por trás da máscara de uma justiça superficial, se porventura tal coisa merece o nome de filosofia, porquanto tal justiça dispõe tão mal seus dogmas que rouba a Deus, a quem pertence a preeminência de seus direitos. Portanto, lembremo-nos de que a vida cristã não é completa em todas as suas partes, a menos que direcionemos nossas energias para ambos, a fé e o amor.
Visto que aqueles que professavam a fé cristã estavam sendo confundidos por todo gênero de opiniões, ou eram ainda enredados por muitas formas de superstição, o autor os convida a viverem tão bem alicerçados na certeza da fé que não mais viveriam titubeantes nem mais seriam jogados de um lado para outro, como que suspensos entre os ventos alternativos das dúvidas. Tal advertência se aplica a todos. Como a verdade de Deus é invariável, assim também a fé, que descansa nele, se de fato é genuína, deve ser inabalável e acima de toda e qualquer dúvida. Ela é pleroforia*, ou seja, uma convicção inabalável, pela qual a mente piedosa por si mesma se determina a não pôr em dúvida o que falou Deus, que não pode enganar nem mentir.
O termo 'esperança' é aqui usado no sentido de fé, em razão de sua estreita associação. O apóstolo parece tê-lo usado intencionalmente, visto estar falando de perseverança. À luz desse fato podemos concluir quão longe de ser fé se acha aquele gênero de discernimento geral que é comum a incrédulos e a demônios. Eles também creem que Deus é justo e verdadeiro, mas não extraem qualquer boa esperança de tal crença, visto que não podem experimentar sua graça paternal em Cristo. Devemos, pois, saber que a genuína fé está sempre de braços dados com a esperança."
* Em caracteres gregos no texto original.
Comentando o trecho destacado, Calvino faz uma série de observações muito interessantes. A primeira delas parece indicar que os destinatários da epístola sofriam do mesmo mal que hoje atinge os liberais e todos os que se apegam a uma ética puramente imanentista. O reformador acerta em cheio ao diagnosticar esse mal como pagão. O primeiro parágrafo transcrito abaixo é, talvez, mais importante hoje que no século XVI, mas demonstra que certas tentações existem desde sempre. Os outros dois parágrafos são úteis como lição sobre a natureza da fé. Eles mostram que Calvino, tão frequentemente acusado de uma frieza racionalista, tinha plena consciência da diferença entre a fé genuína e a mera convicção intelectual correta sobre assuntos espirituais.
"Assim como o autor mistura louvor com admoestação, com o fim de não irritar seus ânimos exacerbadamente, ele agora lhes dirige uma advertência sem rodeios, mostrando o que ainda lhes falta, para que sua civilidade não lhes seja uma demonstração de fingida lisonja. 'Tendes apresentado evidência de vosso amor', diz ele, 'através de muitas provas e demonstrações. Ora, resta que vossa fé corresponda ao vosso amor. Tendes ardorosamente labutado para não decairdes em vossas obrigações para com os homens; deveis agora aplicar-vos com não menos ardor ao progresso de vossa fé, como para manifestar diante de Deus que ela é firme e plenamente sólida.' Ao fazer tal declaração, o apóstolo demonstra que há duas partes no cristianismo, que são correspondentes às duas tábuas da lei. Qualquer um que separa uma da outra fica com algo dilacerado e mutilado. Desse fato evidencia-se de que sorte de mestres são aqueles que omitem qualquer menção da fé e simplesmente impõem honestidade e integridade para com os homens. Minha tese é que tal atitude não passa de filosofia pagã que se refugia por trás da máscara de uma justiça superficial, se porventura tal coisa merece o nome de filosofia, porquanto tal justiça dispõe tão mal seus dogmas que rouba a Deus, a quem pertence a preeminência de seus direitos. Portanto, lembremo-nos de que a vida cristã não é completa em todas as suas partes, a menos que direcionemos nossas energias para ambos, a fé e o amor.
Visto que aqueles que professavam a fé cristã estavam sendo confundidos por todo gênero de opiniões, ou eram ainda enredados por muitas formas de superstição, o autor os convida a viverem tão bem alicerçados na certeza da fé que não mais viveriam titubeantes nem mais seriam jogados de um lado para outro, como que suspensos entre os ventos alternativos das dúvidas. Tal advertência se aplica a todos. Como a verdade de Deus é invariável, assim também a fé, que descansa nele, se de fato é genuína, deve ser inabalável e acima de toda e qualquer dúvida. Ela é pleroforia*, ou seja, uma convicção inabalável, pela qual a mente piedosa por si mesma se determina a não pôr em dúvida o que falou Deus, que não pode enganar nem mentir.
O termo 'esperança' é aqui usado no sentido de fé, em razão de sua estreita associação. O apóstolo parece tê-lo usado intencionalmente, visto estar falando de perseverança. À luz desse fato podemos concluir quão longe de ser fé se acha aquele gênero de discernimento geral que é comum a incrédulos e a demônios. Eles também creem que Deus é justo e verdadeiro, mas não extraem qualquer boa esperança de tal crença, visto que não podem experimentar sua graça paternal em Cristo. Devemos, pois, saber que a genuína fé está sempre de braços dados com a esperança."
* Em caracteres gregos no texto original.
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