O sexto capítulo, intitulado Identidades da Europa, possui um ou outro mérito isolado, mas contém também alguns dos piores absurdos de todo o livro. Um deles aparece já no artigo inicial, que trata do início das negociações para a entrada da Turquia na União Europeia. Magnoli menciona que o ministro do exterior turco Abdullah Gul obteve essa conquista com o argumento de que "a União Europeia terá de provar que não é um clube cristão". Nenhuma opinião sobre a Europa contemporânea, sobretudo a ocidental, é mais absurda que essa, já que um dos traços mais marcantes do continente é o distanciamento de suas origens cristãs - o qual, por sua vez, é o principal responsável por sua fragilidade cultural e intelectual. E, se há relativamente poucos cristãos no berço da cristandade ocidental, há-os menos ainda na estrutura burocrática supranacional que agora tenta se impor sobre os governos nacionais. Nos documentos da União Europeia não há sequer uma menção ao passado religioso que conferiu ao continente sua própria unidade cultural. Não existe, pois, nada mais distante de um "clube cristão" que essa instituição. Até posso imaginar os políticos da Europa Ocidental cochichando preocupados diante da acusação de Gul: "Pessoal, é melhor a gente deixar esses turcos entrarem, senão o mundo vai pensar que somos cristãos mesmo. Que horror! Já pensaram?" No entanto, Magnoli quer que acreditemos que "a 'nova Europa' surgiu à sombra de um conceito de unidade com raízes no Império Romano e na tradição cristã" só porque a Comunidade Europeia teve início numa reunião realizada em Roma. Ele vê nisso um símbolo. Mas é muito estranho que o suposto símbolo seja avesso a todos os valores proclamados explicitamente pela instituição, que tem, inclusive, feito de tudo para eliminar os cristãos praticantes de seus assentos e gabinetes.
Magnoli comemora o episódio endossando a visão dos turcos, segundo a qual a entrada da Turquia seria a oportunidade para uma "aliança entre civilizações", visto ser a Turquia um país predominantemente muçulmano. Esse evento, segundo ele, contraria o "cancelamento da alteridade", tendência predominante ao longo da história europeia e que hoje se concretiza na tese huntingtoniana do "choque de civilizações", que Magnoli odeia acima de todas as coisas. Tenho minhas dúvidas quanto a se um país laico como a Turquia pode desempenhar adequadamente esse papel. Seja como for, acredito que o evento descrito é de fato um sintoma adicional do enfraquecimento cultural da Europa, que, afastada de seu berço cristão, não tem mais um senso permanente de unidade a que se apegar, a ponto de não ver mais problema em admitir um país islâmico em seu meio. É assim mesmo que o islã acabará por conquistar o continente. Só não sei se Magnoli ficará feliz quando isso acontecer.
Há bons indícios de que não ficará, pois aprovou com entusiasmo a absurda lei francesa que proibiu o uso de símbolos religiosos nas escolas, incluindo-se aí os hijabs das muçulmanas. Seu argumento é que "nas escolas públicas da república, os jovens não são cristãos, muçulmanos ou judeus: são estudantes". Qualquer oposição a essa ideia é, para o geógrafo, resistir "ao princípio da igualdade política dos cidadãos". Tudo isso é uma estupidez, evidentemente. Se alguém propusesse como solução impor o véu a todas as estudantes francesas, muçulmanas ou não, o negócio da igualdade estaria garantido, mas Magnoli seria o primeiro a defender o direito das não-muçulmanas. Falta-lhe perceber o fato óbvio de que a "igualdade política dos cidadãos" não consiste em todo mundo se vestir do mesmo jeito, ainda que esse jeito seja o preferido pelo estilista Demétrio Magnoli, mas sim cada um se vestir do jeito que julgar mais apropriado. Como é difícil entender isso, não?
Depois dessa, Magnoli vem dizer que os levantes nos subúrbios de Paris em 2005 não têm absolutamente nada a ver com islamismo, que os jovens revoltosos só querem "ser tão franceses quanto os demais" e que o levante muçulmano é apenas um mito levantado por "integristas, liberais e multiculturalistas" para impor "políticas compensatórias, ações afirmativas e cotas universitárias". Mesmo deixando de lado o absurdo de supor que os liberais aprovam essas medidas (que, ao contrário do que pensa Magnoli, são coisa da esquerda), a Norma escreveu na época uma série de seis posts chamada Violência em Paris (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) demonstrando a falsidade de todas essas afirmações. Em vista dessa cobertura completa, não resta nada a dizer. As opiniões de Magnoli relacionadas a temas islâmicos são uma total maluquice (escrevi mais sobre isso aqui), e estão entre o que há de pior no livro.
Magnoli comemora o episódio endossando a visão dos turcos, segundo a qual a entrada da Turquia seria a oportunidade para uma "aliança entre civilizações", visto ser a Turquia um país predominantemente muçulmano. Esse evento, segundo ele, contraria o "cancelamento da alteridade", tendência predominante ao longo da história europeia e que hoje se concretiza na tese huntingtoniana do "choque de civilizações", que Magnoli odeia acima de todas as coisas. Tenho minhas dúvidas quanto a se um país laico como a Turquia pode desempenhar adequadamente esse papel. Seja como for, acredito que o evento descrito é de fato um sintoma adicional do enfraquecimento cultural da Europa, que, afastada de seu berço cristão, não tem mais um senso permanente de unidade a que se apegar, a ponto de não ver mais problema em admitir um país islâmico em seu meio. É assim mesmo que o islã acabará por conquistar o continente. Só não sei se Magnoli ficará feliz quando isso acontecer.
Há bons indícios de que não ficará, pois aprovou com entusiasmo a absurda lei francesa que proibiu o uso de símbolos religiosos nas escolas, incluindo-se aí os hijabs das muçulmanas. Seu argumento é que "nas escolas públicas da república, os jovens não são cristãos, muçulmanos ou judeus: são estudantes". Qualquer oposição a essa ideia é, para o geógrafo, resistir "ao princípio da igualdade política dos cidadãos". Tudo isso é uma estupidez, evidentemente. Se alguém propusesse como solução impor o véu a todas as estudantes francesas, muçulmanas ou não, o negócio da igualdade estaria garantido, mas Magnoli seria o primeiro a defender o direito das não-muçulmanas. Falta-lhe perceber o fato óbvio de que a "igualdade política dos cidadãos" não consiste em todo mundo se vestir do mesmo jeito, ainda que esse jeito seja o preferido pelo estilista Demétrio Magnoli, mas sim cada um se vestir do jeito que julgar mais apropriado. Como é difícil entender isso, não?
Depois dessa, Magnoli vem dizer que os levantes nos subúrbios de Paris em 2005 não têm absolutamente nada a ver com islamismo, que os jovens revoltosos só querem "ser tão franceses quanto os demais" e que o levante muçulmano é apenas um mito levantado por "integristas, liberais e multiculturalistas" para impor "políticas compensatórias, ações afirmativas e cotas universitárias". Mesmo deixando de lado o absurdo de supor que os liberais aprovam essas medidas (que, ao contrário do que pensa Magnoli, são coisa da esquerda), a Norma escreveu na época uma série de seis posts chamada Violência em Paris (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) demonstrando a falsidade de todas essas afirmações. Em vista dessa cobertura completa, não resta nada a dizer. As opiniões de Magnoli relacionadas a temas islâmicos são uma total maluquice (escrevi mais sobre isso aqui), e estão entre o que há de pior no livro.
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