domingo, 3 de janeiro de 2010

Teologia sistemática

Relacionado a um assunto sobre o qual estou escrevendo para uns novos amigos virtuais, este post traz uma interessante citação de um dos grandes teólogos reformados do século XX, Louis Berkhof. O trecho a seguir se encontra em sua célebre Teologia sistemática, na parte A doutrina de Deus, subdivisão O ser de Deus, capítulo Os atributos comunicáveis, seção Atributos intelectuais, subseção O conhecimento de Deus, item Sua extensão. Essa lista, aliás, demonstra por si só o talento do holandês para a sitematização.

"Contudo, há uma questão que requer discussão especial. Refere-se à presciência de Deus quanto às livres ações dos homens e, portanto, dos eventos condicionais. Podemos entender como Deus pode ter conhecimento prévio onde a necessidade domina, mas achamos difícil conceber um conhecimento prévio de ações que o homem origina livremente. A dificuldade deste problema levou alguns a negarem a presciência das ações livres e outros a negarem a liberdade humana. É perfeitamente evidente que a Escritura ensina a presciência divina de eventos contingentes. Além disso, ela não nos deixa em dúvida quanto à liberdade do homem. O certo é que ela não permite a negação de nenhum dos dois termos do problema. É-nos levantado um problema aqui, que não podemos resolver plenamente, conquanto seja possível aproximar-nos de uma solução. Deus decretou todas as coisas, e as decretou com as suas causas e condições na exata ordem em que ocorrem; e Sua presciência das coisas e também dos eventos contingentes apóia-se em Seu decreto. Isto soluciona o problema no que se refere à presciência de Deus.

Mas agora surge a questão: a predeterminação das coisas é coerente com o livre arbítrio do homem? E a resposta certamente é que não é, se se considerar a liberdade da vontade como indifferentia (arbitrariedade), mas não há base segura para esta concepção da liberdade do homem. A vontade humana não é uma coisa inteiramente indeterminada, uma coisa solta no ar, que pode pender arbitrariamente numa ou noutra direção. Ao invés disso é uma coisa arraigada em nossa natureza, ligada aos nossos mais profundos instintos e emoções, e determinada por nossas considerações intelectuais e por nosso próprio caráter. E, se concebemos a nossa liberdade humana como lubentia rationalis (autodeterminação racional), não temos base suficiente para dizer que é incoerente com a presciência divina. Diz o dr. Orr: 'Há uma solução para este problema, embora as nossas mentes não consigam captá-la. Provavelmente ela está, em parte, não em negar a liberdade, mas numa concepção revista da liberdade. Pois, afinal de contas, liberdade não é arbitrariedade. Em toda ação racional há um porquê para agir – uma razão que decide a ação. O homem verdadeiramente livre não é o homem incerto e imprevisível, mas o homem seguro, confiável. Em resumo, a liberdade tem suas leis – leis espirituais – e a Mente onisciente sabe quais são. Mas, deve-se reconhecer, permanece um elemento de mistério'."

Um comentário:

  1. "E, se concebemos a nossa liberdade humana como lubentia rationalis (autodeterminação racional), não temos base suficiente para dizer que é incoerente com a presciência divina."

    Eis aí uma definição, tipicamente aristotélico-tomista, do livre arbítrio como "vontade racional".

    Realmente, como disse alguém no blog da Norma, citando R. C Sproul, os evangélicos precisam ler mais Tomás de Aquino.

    Um abraço,

    Rodrigo

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