domingo, 13 de junho de 2010

LXX versus TM

Li em 2002 um livro de Gleason L. Archer Jr. chamado Merece confiança o Antigo Testamento?, cujo título original é menos apologético: A survey of Old Testament Introduction. A versão revista dessa obra foi publicada em 1974, dez anos depois da original. No terceiro dos 27 capítulos, intitulado Os manuscritos hebraicos e as versões antigas, há o seguinte comentário sobre a Septuaginta:

"A LXX tem grandes diferenças de qualidade e de valor, de um livro para outro. O Pentateuco foi traduzido com maior exatidão, de modo geral, que os demais livros do Antigo Testamento, indubitavelmente porque tinha de servir como um tipo de Targum grego nos cultos realizados nas sinagogas das congregações judaicas no Egito. Os Profetas Anteriores (i.e., de Josué até 2 Reis) e os Salmos são traduzidos com considerável fidelidade ao original hebraico, de modo geral. No caso dos Profetas Posteriores (Isaías até Malaquias), a tendência à paráfrase é mais definida, e as passagens hebraicas mais difíceis muitas vezes recebem um tratamento inexperiente. Os demais livros, os Poéticos (sem incluir os Salmos) demonstram uma tendência semelhante à liberdade na interpretação."

No capítulo seguinte, Archer endossa a metodologia proposta por Ernst Würthwein, que declara, dentre outras coisas, que, em caso de conflito insolúvel entre o Texto Massorético e outras versões, o benefício da dúvida deve ser concedido a ele.

No ano passado, porém, li um livro que traz uma descrição diferente do valor da Septuaginta. Trata-se do Old Testament exegesis: a primer for students and pastors, de Douglas Stuart, publicado originalmente em 1980 (estou informado de que o livro foi traduzido e publicado no Brasil, mas o exemplar a que tive acesso estava em inglês mesmo). Vejamos o que ele diz sobre a Septuaginta em seu último capítulo Exegesis aids and resources (a tradução é minha):

"Essa versão representa uma tradução do hebraico que começou a ser feita no século III a.C.. Sua importância não pode ser minimizada. Em média, ela é uma testemunha tão confiável e exata do palavreado original do Antigo Testamento (os 'autógrafos') quanto o Texto Massorético. Em muitas seções do Antigo Testamento, ela é mais confiável que o Texto Massorético; em outras, menos. Em larga medida porque a língua grega usa vogais e a hebraica não, o palavreado da LXX era menos ambíguo e a LXX tinha, por natureza, menor probabilidade de ser distorcida por corrupções textuais que a versão hebraica, que foi acumulando corrupções (assim como expansões editoriais, etc.) por muitos séculos depois que a LXX foi produzida."

Portanto, se bem os entendi, Archer confia no valor da Septuaginta muito menos que Stuart, especialmente em comparação com o Texto Massorético. E agora? Quem tem razão?

2 comentários:

  1. Muito bom o artigo!

    A LXX tem o seu valor filológico, cultural e teológico em grande profundidade...Lembrando que a igreja primitiva a usava consideravelmente em suas reuniões domésticas. Ela expressa com mais amplitude o "espírito" hebraico para os conceitos mais helenizados e portanto para todo o mundo...
    Um dos exemplos clássicos dessa magnífica tradução foi quando o "espírito mau que vinha sobre Saul" a LXX a interpretou de 'hipocondia' e de fato Saul era um vívido hipocondríaco...Pra mim a LXX é uma excelente tradução do Texto Massorético.
    O que não pode acontecer é o extremismo da coisa, como os partidários da famosa King James Version onde argumentam que a mesma tem mais "inspiração" do que os originais bíblicos.
    Por gentileza vc poderia me dizer onde encontrou esse livro "Old Testament exegesis: a primer for students and pastors"? Fiquei curioso para lê-lo
    Obrigado, que Deus o abençoe

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  2. Caro Mário,

    muito obrigado por seu comentário. Esse negócio da LXX é importante, e ainda pretendo aprender bem mais a respeito.

    Sobre o "extremismo da coisa": um amigo meu, membro da Igreja Ortodoxa oriental, me informou que os ortodoxos consideram que o verdadeiro texto inspirado é a LXX, e não o texto hebraico original. Talvez a ideia por trás disso seja análoga à da Igreja Católica, que considera inspirada a Vulgata latina. Os entusiastas da King James não estão sozinhos nesse negócio de desprezar os originais...

    A resposta que tenho para dar à sua pergunta não é muito animadora, infelizmente: encontrei o livro de Stuart na estante do meu pai, que o comprou há mais de quinze anos no seminário onde estudou. Eu disse no post que o livro saiu em português. Essa informação me foi transmitida pelo Mauro Meister. Mas não consegui localizá-lo na internet. A única alternativa que me ocorre é você importá-lo. No site www.alibris.com você pode encontrar um exemploar por poucos dólares, e parece que o frete não é caro, mas demora um pouco para chegar.

    Um grande abraço!

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