sexta-feira, 2 de abril de 2010

Nem Marx nem Jesus VII

Certas considerações tecidas por Revel no capítulo intitulado França: um caso de revolução impossível me fizeram notar que o autor pensava da esquerda francesa dos anos 60 mais ou menos o mesmo que muitos conservadores pensam da direita brasileira de hoje: um bando de imbecis que não sabem lutar pelo poder político, e portanto constantemente entregam-no de bandeja nas mãos de adversários incompetentes no que diz respeito ao benefício da nação, mas muito espertos quando se trata de conquistar e manter o poder. Parece-me claro que há um elemento de pura retórica nisso: pinta-se um inimigo monstruosamente onipotente para levar os possíveis aliados a se sentirem envergonhados e assustados, fazendo com que levantem da cama seus respectivos traseiros e façam alguma coisa.

É nesse contexto algo duvidoso que Revel fornece os pensamentos abaixo, que são muito reveladores da mentalidade predominante na esquerda. O assunto do momento são certas picuinhas eleitorais francesas das quais não tenho grande conhecimento ou interesse. Mas, como acabo de dizer, a validade do diagnóstico fornecido se estende para muito além da luta imediata pelo poder, penetrando até o âmago do sonho socialista.

"É surpreendente como a maioria dos comentaristas de esquerda parece não fazer distinção alguma entre soluções que têm alguma possibilidade de se concretizar e as que não têm nenhuma. [...] Política é saber reagir a uma situação real, e não colocar lado a lado, em pé de igualdade, soluções viáveis e desejos inviáveis. Se lhe pedem para escolher entre massas e batatas, avisando que não consta mais nada do cardápio, você não responde dizendo que prefere caviar. A pergunta é 'massas ou batatas', nada mais. Pode-se sonhar com circunstâncias em que a mercadoria oferecida fosse mais atraente, mas o sonho não toma o lugar de uma ação que corresponda à realidade dada. Agir é decidir em função da realidade e não conforme possibilidades inexistentes. Sem dúvida, a realidade às vezes só deixa lugar para um entusiasmo medíocre, mas é precisamente diante dessa mediocridade que é preciso, no momento dado, saber tomar posição. [...] Porque, em política, decidir-se em função ou pelo que não tem possibilidade alguma de acontecer é nada decidir. Em outras palavras, uma solução política realizável apresenta sempre inconvenientes. Afastada sob tal pretexto, não sobrará mais nenhuma."

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