A relação entre a tradição e a originalidade na arte é um tema que julgo cada vez mais fascinante. Descobri agora que a oposição entre tradicionalismo e ruptura na crítica literária é um dos dualismos combatidos por Meschonnic. Transcrevo abaixo um interessante trecho da tese da Norma que explica isso muito bem, e faço alguns comentários em seguida.
"Meschonnic detecta, assim, uma série de mal-entendidos com relação ao termo 'moderno'. O primeiro seria delimitá-lo através de um critério meramente temporal, o que seria encerrá-lo em um historicismo; ou então, de modo oposto mas análogo, perpetuar a tendência, bastante corrente, de situar o valor literário das obras ditas 'modernas' na ruptura com a tradição. Dessa forma, a modernidade para Meschonnic se configuraria na aposta na multiplicidade e em uma abertura para o novo, características que não se opõem necessariamente à tradição, e que são atemporais. Segundo o autor, no rastro deste dualismo 'tradição e ruptura' estariam, curiosamente, tanto os detratores da modernidade quanto seus entusiastas: os primeiros, defendendo uma volta ao tradicionalismo, valem-se da consagração de determinados autores e obras para alçá-los a modelos; os segundos, desejando a condenação da tradição ao esquecimento, pregam a imanência de um 'novo' que por sua vez passa a absoluto, totalitário, porque disposto a tomar o lugar do que era consagrado, obtendo para si o mesmo reconhecimento como 'modelo'. Em ambas as posições, estaria presente como que um mito da 'juventude eterna', ou seja, a negação da historicidade, de que os 'modelos' para a obra artística necessariamente caducam e de que o novo na arte é um movimento contínuo no tempo, para a frente e para trás."
Não sei se esse conceito é válido enquanto retrato da modernidade. Sinto-me mais propenso a acreditar que Meschonnic fez com a literatura moderna o mesmo que Karl Popper fez com a ciência moderna: defini-la, não pelo que ela é, mas pelo que julga que deveria ser, a fim de criticar os que fazem com que ela seja o que não deve ser, e assim, quem sabe, torná-la mais semelhante ao que sempre deveria ter sido. Seja como for, penso que esse aspecto da concepção de Meschonnic sobre a arte é muito salutar, e que pelo menos alguns modernos a endossaram, se não com sua reflexão teórica, ao menos com suas obras propriamente artísticas em geral e literárias em particular.
Mas também achei interessante esse trecho por uma outra razão, não vinculada à literatura. Nós, que não caímos na conversa fiada dos progressistas e revolucionários, e que ficamos horrorizados com certos "progressos" que se fazem por aí, corremos o risco de cair num erro aparentemente oposto, mas que no fundo é a mesma coisa: a idealização do passado, de um tempo em que tudo era melhor e mais lindo. Trata-se de um erro comum dos conservadores, e do qual eu mesmo me apercebi há não muito tempo. Espero um dia poder compreender melhor essa questão e escrever mais a respeito.
"Meschonnic detecta, assim, uma série de mal-entendidos com relação ao termo 'moderno'. O primeiro seria delimitá-lo através de um critério meramente temporal, o que seria encerrá-lo em um historicismo; ou então, de modo oposto mas análogo, perpetuar a tendência, bastante corrente, de situar o valor literário das obras ditas 'modernas' na ruptura com a tradição. Dessa forma, a modernidade para Meschonnic se configuraria na aposta na multiplicidade e em uma abertura para o novo, características que não se opõem necessariamente à tradição, e que são atemporais. Segundo o autor, no rastro deste dualismo 'tradição e ruptura' estariam, curiosamente, tanto os detratores da modernidade quanto seus entusiastas: os primeiros, defendendo uma volta ao tradicionalismo, valem-se da consagração de determinados autores e obras para alçá-los a modelos; os segundos, desejando a condenação da tradição ao esquecimento, pregam a imanência de um 'novo' que por sua vez passa a absoluto, totalitário, porque disposto a tomar o lugar do que era consagrado, obtendo para si o mesmo reconhecimento como 'modelo'. Em ambas as posições, estaria presente como que um mito da 'juventude eterna', ou seja, a negação da historicidade, de que os 'modelos' para a obra artística necessariamente caducam e de que o novo na arte é um movimento contínuo no tempo, para a frente e para trás."
Não sei se esse conceito é válido enquanto retrato da modernidade. Sinto-me mais propenso a acreditar que Meschonnic fez com a literatura moderna o mesmo que Karl Popper fez com a ciência moderna: defini-la, não pelo que ela é, mas pelo que julga que deveria ser, a fim de criticar os que fazem com que ela seja o que não deve ser, e assim, quem sabe, torná-la mais semelhante ao que sempre deveria ter sido. Seja como for, penso que esse aspecto da concepção de Meschonnic sobre a arte é muito salutar, e que pelo menos alguns modernos a endossaram, se não com sua reflexão teórica, ao menos com suas obras propriamente artísticas em geral e literárias em particular.
Mas também achei interessante esse trecho por uma outra razão, não vinculada à literatura. Nós, que não caímos na conversa fiada dos progressistas e revolucionários, e que ficamos horrorizados com certos "progressos" que se fazem por aí, corremos o risco de cair num erro aparentemente oposto, mas que no fundo é a mesma coisa: a idealização do passado, de um tempo em que tudo era melhor e mais lindo. Trata-se de um erro comum dos conservadores, e do qual eu mesmo me apercebi há não muito tempo. Espero um dia poder compreender melhor essa questão e escrever mais a respeito.
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