quarta-feira, 28 de julho de 2010

The consolation of philosophy V

A coesão e continuidade do texto de Boécio são tamanhas que selecionar trechos para transcrição é tarefa difícil. A despeito disso, creio poder expor, por meio de citações, a essência da mensagem contida no Livro III. Neste post, transcrevo uma bela explicação de como o coração humano é desviado para as coisas deste mundo, sendo incapaz de discernir corretamente a fonte de sua própria felicidade. Em linguagem teológica, trata-se do velho processo pecado - idolatria - condenação. O próximo post trará o complemento necessário a essa situação.

"O problema das muitas e variadas metas dos homens mortais lhes traz muita preocupação, e daqui eles prosseguem por diferentes caminhos, mas lutam para atingir um único fim, que é a felicidade. E esse bem é aquele que, se algum homem o alcança, não deseja nada mais. Essa é a mais elevada de todas as boas coisas, e inclui em si todas elas; se algum bem lhe falta, ela não pode ser o bem supremo, pois então foi deixado de fora algo que pode ser desejado. Daí se segue que a felicidade é um estado tornado perfeito pela união de todas as coisas boas. Todos os homens procuram atingir esse fim, como eu disse, embora por diferentes caminhos. Foi implantado pela natureza nas mentes dos homens um desejo pelo verdadeiro bem; mas o erro os afasta em direção a falsos bens e por caminhos errados.

Alguns homens creem que o bem supremo é não sentir falta de nada, e assim sofrem para conseguir riqueza abundante. Outros consideram que o bem verdadeiro é ser o mais digno de admiração, e assim lutam para conseguir lugares de honra e ser mantidos ali por seus concidadãos. Alguns decidem que o bem supremo reside no poder supremo, e assim desejam reinar ou tentam conseguir o favor dos que reinam. Outros pensam que o renome é o maior bem, e portanto se apressam para tornar seu nome famoso pelas artes da paz ou da guerra. Mas a maior parte mede o fruto do bem pelo prazer e pelo desfrute, e esses acham que o homem mais fez é o que se entrega ao prazer.


Além desses, há os que confundem as metas e as causas dessas boas coisas; como aqueles que desejam riquezas para obter poder ou prazer, ou aqueles que procuram poder para obter dinheiro ou celebridade. Nessas coisas, então, e em outras como elas, jaz a meta das ações e orações dos homens, tais como renome e popularidade, que parecem conceder alguma fama, ou esposa e filhos, que são buscados pelo prazer que proporcionam. Por outro lado, o bem dos amigos, que é o mais honorável e santo de todos, não reside no reino da Fortuna, e sim no da Virtude. Todos os outros são adotados pela obtenção de poder ou desfrute. [...]


Não há dúvida, então, de que essas estradas para a felicidade não são estradas e não podem levar homem algum ao fim a que prometem levá-lo. Eu gostaria de mostrar-te brevemente a que grandes males são atadas. Queres amontoar dinheiro? Precisarás tirá-lo de seu dono. Queres parecer brilhante pela glória de grandes honras? Deves ajoelhar diante de seu distribuidor e, em teu desejo de sobrepujar outros homens em honra, deves rebaixar-te, pondo de lado todo orgulho. Anseias por poder? Estarás sujeito aos ardis de todos aqueles sobre os quais tens poder, estarás à mercê de muitos perigos. Procuras fama? Serás arrastado de um lado a outro por caminhos ásperos e perderás toda a liberdade da segurança. Queres gastar a vida em prazeres? Quem não desprezaria e rejeitaria tal servidão a algo tão vil e frágil quanto teu próprio corpo? Quão insignificantes são todas as metas daqueles que colocam diante de si os prazeres do corpo! Quão incerta é a posse deles! Poderás sobrepujar em tamanho o elefante? Tomarás, na força, a liderança do touro ou, na velocidade, a do tigre? Olha para a vastidão dos céus, a força com que permanece de pé, a rapidez com que se move, e cessa por um instante de te admirar por coisas pequenas."

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