quinta-feira, 22 de julho de 2010

Um mundo com significado IX

O oitavo capítulo, intitulado O ressurgimento da célula viva, transporta a discussão para o plano biológico, combatendo o reducionismo que busca interpretar os seres vivos e suas células em função apenas de sua constituição química. É nesse contexto que Wilker e Witt explicam e defendem a abordagem a ser adotada ao longo do capítulo:

"Existem duas importantes formas de demonstrar que alguma crença ou teoria quanto à natureza é errônea. Poderíamos questionar suas pressuposições fundamentais, por assim dizer, pela força da filosofia pura. O problema com a filosofia, infelizmente, é que ela é uma coisa humana e, assim, há bastante espaço para erros e discordâncias e ainda mais espaço para nos escondermos em casas abstratas de nossa construção. Os antigos filósofos gregos discutiam quantas e quais seriam as substâncias fundamentais da natureza. Um argumento persuasivo erigido contra outro argumento persuasivo. Tudo seria bastante lógico, mas nunca especialmente empírico, pois a natureza ainda não teria muito o que dizer. Outro modo de remover o erro é simplesmente permitir que ele corra a pleno vapor e procurar sua contradição na própria natureza."

Fiquei algo impressionado ao ver esses dois inimigos declarados do materialismo cientificista moderno endossando dessa forma a crença positivista que limita toda discussão racional ao que pode ser apreendido pelos sentidos, considerando puramente subjetivo ou mesmo sem sentido tudo quanto pretenda ir além disso. Ao declarar que a filosofia é "uma coisa humana" que dá espaço a erros, discordâncias e abstrações, os autores deixam implícito que a ciência experimental é uma coisa divina cujos meios de operação são livres de toda abstração e cujas conclusões são infalíveis e inquestionáveis. Trata-se de um absurdo evidente demais para que eu me empenhe em refutá-lo neste post.

É claro que é perfeitamente lícito, para fins de argumentação, restringir a discussão a um campo específico, como o das ciências naturais ou alguma de suas muitas ramificações. Seria, pois, suficiente que os autores procedessem dessa forma, argumentando com rigor a partir dos dados empíricos disponíveis e denunciando com veemência seus opositores quando estes, contrariando suas próprias teses epistemológicas, fogem da argumentação científica para as desculpas ideológicas e pseudocientíficas de sempre. Nesse caso, tratar-se-ia de uma atitude condescendente com a obtusidade do adversário, adotada com objetivos didáticos. Não foi, porém, o que fizeram os autores, que começaram por dar razão aos adversários nesse ponto fundamental, e acabaram produzindo uma crítica que padece do mesmo defeito que denuncia: a incongruência de ir além do dado empírico e, ao mesmo tempo, negar que esse seja um procedimento válido.

A propósito, tendo eu já lido uma porção de críticas e defesas da teoria abiogênica sobre a origem da vida em suas inúmeras variações, estou em condições de afirmar que a exposição de Wilker e Witt sobre o tema deixa a desejar do ponto de vista do rigor científico e da profundidade com que os vários aspectos do problema são abordados. Essa é uma prova adicional de que adotar os vícios intelectuais do adversário não é uma boa maneira de demonstrar seus erros. Não obstante, o capítulo é interessante por algumas das informações transmitidas, bem como pelas referências bibliográficas indicadas ao leitor interessado em se aprofundar no tema.

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