sábado, 31 de julho de 2010

O grande jogo VIII

Eu mesmo tenho uma porção de críticas à administração Bush e ao neoconservadorismo americano, ou mesmo à direita americana em geral. Contudo, não posso de modo algum endossar as posições de Magnoli a respeito do tema. Tomemos como exemplo a questão da China: os neocons temem a consolidação da China como potência econômica e militar que, por ter uma ideologia oposta aos valores democráticos, poderá causar sérios problemas no futuro. O geógrafo, porém, informa que "a 'obsessão chinesa' dos neoconservadores não tem sentido", pois o gigante asiático tem ajudado a preservar a estabilidade geopolítica da Ásia; além disso, o crescimento econômico chinês "cumpre a função crucial de financiar o déficit externo dos Estados Unidos". Por trás desse último argumento talvez repouse a muito discutível opinião de que déficits são coisas ruins. Com ou sem isso, porém, o recado de Magnoli é bem claro: a China morre de amores pelos EUA e os interesses de ambos combinam muito bem. Se o casamento não der certo, a culpa será toda dos americanos; ou, mais precisamente, dos "neoconservadores". De um jeito ou de outro, o autor acaba sempre voltando a esse ponto, que chega a ser um pressuposto fundamental de todas as suas análises da política internacional: da China à ONU, passando pelo mundo islâmico, todo mundo quer ser amigo dos Estados Unidos. Se os conservadores americanos não fossem tão truculentos, arrogantes e desconfiados, o mundo estaria caminhando muito bem. Logo, são eles os culpados de tudo o que acontece de errado no mundo, incluindo-se aí o que seus inimigos fazem contra eles. Eles são culpados pelas alianças estratégicas entre a China e a Rússia; pelo ódio que o mundo islâmico devota ao Ocidente; pela manifesta incapacidade da ONU para cumprir o que promete aos países-membros; e muitos et ceteras.

No entanto, Magnoli de modo algum se considera antiamericano. Em meio às dezenas de críticas (várias delas puramente caluniosas) aos EUA, ele chega até a dizer algumas palavras contra o antiamericanismo. Num ambiente dominado pelo esquerdismo, como a imprensa brasileira, não é preciso muita coisa para se livrar da pecha de antiamericano: basta dar algumas voltas a mais antes de fazer as mesmas condenações que todo mundo faz. É assim que faz Magnoli, sem fugir às contradições mais corriqueiras dos "antiimperialistas" de plantão. Num certo momento, o autor se queixa de que os neoconservadores "orientam-se por imperativos ideológicos e movem-se ao sabor das projeções abstratas", cavando a própria cova ao deixar de lado os ditames da política prática. Cinco páginas adiante, o mesmo autor os acusa de usar o discurso ideológico para ocultar suas verdadeiras motivações, que brotam do interesse nacional. É assim que ele denuncia que a direita americana não é defensora tão ferrenha da democracia quanto se supõe, já que "admitia uma cuidadosa seleção das 'tiranias' a derrubar". Como se os EUA tivessem poder suficiente para derrubar todas as tiranias do mundo. E como se devêssemos esperar um Magnoli felicíssimo caso isso acontecesse. A julgar pelo tamanho de seu protesto contra a derrubada de Saddam Hussein, fica-se com a impressão de que ele gosta mais da tirania mesmo.

2 comentários:

  1. "Se os conservadores americanos não fossem tão truculentos, arrogantes e desconfiados, o mundo estaria caminhando muito bem."

    Bem, André, na verdade, eu nunca li uma obra do Magnoli; apenas seus artigos e entrevistas.

    Se algo nela pode ser entendido como o que foi exposto no trecho que destaquei aqui, então, de fato, é uma leitura equivocada do autor.

    Basta se voltar para o Oriente ou América Latina para perceber o ódio que ainda existe em relação aos americanos.

    Ninguém se lembra, ou não quer se lembrar, do papel fundamental dos EUA contra o nazismo e, logo depois, na recuperação econômico da Europa com o plano Marshal.

    Apesar de críticas pontuais que faço aos americanos, reconheço neles a virtude de manter a coragem em épocas sombrias.

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  2. Caro Thiago, muito obrigado pelo seu comentário. Já fui antiamericano, e pró-americano também. Hoje estou convencido de que muitas das melhores e das piores coisas vêm dos EUA. Acho que Magnoli também pensa assim. Apenas discordamos em quase tudo quando se trata de decidir quais são as melhores coisas e quais são as piores. hehe

    Abraços!

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