segunda-feira, 16 de agosto de 2010

The consolation of philosophy VII

A parte mais interessante do Livro IV é introduzida através de uma pergunta de Boécio à Filosofia sobre o discernimento dos propósitos divinos na sorte dos homens. Para responder a essa pergunta, a Filosofia disserta sobre o tema da soberania divina, embora sem usar esse termo. Gostei dessa explicação, por não abrir mão da soberania divina, embora faça distinções entre aquilo que se encontra sob ela. Nesse trecho, Boécio distingue a Providência divina do Destino, concedendo à primeira um alcance mais vasto. Apesar da linguagem distante da que empregamos hoje, noto um acordo entre as posições de Boécio e as minhas próprias em muitos pontos, embora não em todos. Especialmente se eu estiver correto em minha compreensão da Providência como correspondendo àquilo que a teologia reformada chama de "decretos divinos", e do Destino como se referindo às forças impessoais da natureza.

"Tua pergunta me chama ao maior de todos esses assuntos, e uma resposta completa a ela é quase impossível. Pois ela é desse tipo: se uma dúvida é estirpada, inumeráveis outras surgem, como as cabeças da Hidra; e não pode haver limite a menos que um homem as refreie pelo mais rápido fogo da mente. Pois aqui jazem as questões do caráter direto da Providência, do curso do Destino, de acidentes que não podem ser previstos, do conhecimento, da divina predestinação e da liberdade de julgamento. Podes julgar por ti mesmo o peso dessas questões. Mas visto que é parte de teu tratamento conhecer as respostas a algumas delas, tentarei tirar algum proveito daí, embora estejamos restritos a um curto espaço de tempo. [...] O engendramento de todas as coisas, o desenrolar inteiro de todas as naturezas mutáveis e todo movimento e progresso no mundo obtêm sua causa, sua ordem e sua forma da atribuição da imutável mente de Deus, que estabelece várias restrições sobre todas as ações a partir da calma fortaleza de sua própria direção. Tais restrições são chamadas de Providência quando se pode ver que jazem na própria simplicidade do entendimento divino; mas foram chamadas de Destino nos tempos antigos, quando eram vistas com referência aos objetos que elas moviam ou organizavam. Será facilmente entendido que esses dois são muito diferentes se a mente examinar a força de cada um. Pois a Providência é a própria razão divina que organiza todas as coisas e repousa com o supremo ordenador de tudo; enquanto o Destino é aquela ordenação que é uma parte de todas as coisas mutáveis por meio das quais a Providência mantém todas as coisas em sua devida ordem. A Providência abrange todas as coisas igualmente, por mais diferentes que possam ser, mesmo as infinitas: quando lhes são atribuídos seus devidos lugares, formas e tempos, o Destino as põe em movimento ordenado, de modo que esse desenvolvimento da ordem temporal, unificado na inteligência da mente de Deus, é a Providência. O funcionamento desse desenvolvimento unificado no tempo é chamado Destino.

São diferentes, mas um se apóia no outro. Pois essa ordem, que é governada pelo Destino, emana da direção da Providência. Assim como, quando um artesão percebe em sua mente a forma do objeto que pretende fazer, ele coloca em ação sua força de trabalho e traz à existência, na ordem do tempo, aquilo que tinha visto diretamente e que estava prontamente presente em sua mente. Assim, pela Providência Deus dispõe inalteravelmente de tudo o que será feito, cada coisa por si mesma; enquanto essas mesmas coisas que a Providência organizou são moldadas pelo Destino de muitos modos no tempo. Portanto, quer o Destino trabalhe com a ajuda dos espíritos divinos que servem a Providência, quer trabalhe com a ajuda da alma, ou de toda a natureza, ou dos movimentos das estrelas no céu, ou dos poderes dos anjos, ou das várias habilidades de outros espíritos, quer o curso do Destino esteja unido a algum desses ou a todos eles, uma coisa é certa, a saber, que a Providência é o único poder imutável direto que dá forma a todas as coisas que devem acontecer, enquanto o Destino é o laço mutável, a ordem temporal dessas coisas que são preparadas para acontecer pela direta disposição de Deus.


Daí se segue que tudo o que está sujeito ao Destino está também sujeito à Providência, à qual o próprio Destino está sujeito. Mas há coisas que embora estejam sob a Providência, estão acima do curso do Destino. Essas coisas são aquelas inamovivelmente estabelecidas o mais perto possível da divindade primária, e ali se encontram além do curso do movimento do Destino. Como no caso das esferas que se movem girando em torno do mesmo eixo, aquela que está mais perto do centro se aproxima mais do movimento simples do centro e é ela mesma, por assim dizer, um eixo em torno do qual se revolvem aquelas que estão fora dela. [...] Do mesmo modo, aquilo que mais se afasta da inteligência primária está mais preso pelos laços do Destino, e quanto mais perto chega do eixo de tudo, mais livre está do Destino. Mas aquilo que se apega sem movimento ao firme intelecto de cima sobrepuja de todo o elo do destino.


Portanto, como o raciocínio está para o entendimento, como aquilo que se torna está para aquilo que é, como o tempo está para a eternidade, como a circunferência está para o centro, assim está o curso mutável do Destino para a direção inamovível da Providência. Esse curso do Destino move os céus e as estrelas, modera os primeiros princípios em suas revoluções e altera suas formas mediante permutações equilibradas. O mesmo curso renova todas as coisas que nascem e definham mediante a prole e a semente. Ele compele também as ações e fortunas dos homens mediante uma inquebrável cadeia de causas, e essas causas devem ser imutáveis, visto que procedem dos primórdios de uma Providência imutável. Assim é o mundo governado pela melhor direção, que repousa na inteligência de Deus, estende uma ordem de causas que não pode se desviar. Essa ordem, por sua imutabilidade, refreia as coisas mutáveis, que poderiam de outro modo correr a esmo de um lado a outro."

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