quinta-feira, 13 de maio de 2010

Um mundo com significado IV

Durante a leitura do terceiro capítulo, começaram a se manifestar alguns problemas com a abordagem do livro. O tema geral dos capítulos 2 e 3 consiste em evidenciar a genialidade de Shakespeare na riqueza de sentidos contida em suas peças, demonstrando a harmonia que se manifesta tanto nos aparentemente mais insignificantes pormenores linguísticos quanto nas profundas verdades sobre a natureza humana desveladas no enredo. Esses capítulos também denunciam algumas interpretações superficiais e reducionistas oferecidas por críticos célebres (e geralmente materialistas) para certas peças ou aspectos da obra do grande poeta e dramaturgo inglês. O objetivo patente e declarado de tal empreendimento é traçar paralelos entre a atitude dos críticos diante da obra de Shakespeare e a atitude dos materialistas diante da natureza, nutrindo hábitos mentais que os impedem de reconhecer a genialidade inscrita no objeto analisado.

A ideia parece-me, em princípio, essencialmente válida e até interessante. Não me parece, entretanto, que os autores tenham feito dela uma aplicação consistente. Em primeiro lugar, o texto é cheio de divagações que, embora geralmente interessantes em si mesmas, acabam dando ao conjunto um tom excessivamente popularesco, obtido à custa do rigor na análise.

Em segundo, falta uma boa dose de objetividade: movidos pela ânsia de expor as riquezas da poesia shakespeariana, os autores acabaram produzindo um texto enfadonho e repetitivo que parece jamais atingir seu alvo. O propósito dessa exposição poderia perfeitamente ter sido atingido com eficácia equivalente num espaço mais exíguo e bem aproveitado.

Em parte, e esse é o terceiro problema, essa impressão se deve ao fato de que a analogia almejada não é exprimida com clareza, chegando a parecer que os autores esperam que o leitor a perceba por si mesmo, como se demonstrar a validade da analogia não fosse o propósito principal do livro. É claro que não pode deixar de ser dito, em defesa dos autores, que ainda não concluí a leitura do livro, de modo que essa ausência que agora percebo pode muito bem vir a ser preenchida nos capítulos seguintes. Mas em alguns momentos isso parece pouco provável. Por exemplo: no capítulo 3, depois de doze páginas dedicadas à análise da peça A tempestade, os autores dizem: "Feitas tais considerações sobre a genialidade de Shakespeare, voltemos à natureza". Entretanto, eles não voltam; retomam a discussão sobre Shakespeare antes do fim da página.

Em quarto lugar, e quase paradoxalmente, a profusão de detalhes sobre os diversos níveis de significado nas peças analisadas não produzem a impressão de que os autores conhecem a fundo a obra de Shakespeare ou entendem de crítica literária em geral. A análise literária, ao mesmo tempo em que é prolixa demais para os propósitos de uma analogia com a natureza, é superficial demais pelos padrões de uma análise literária cuidadosa, digna da grandeza das obras estudadas. Ou seja, o livro cai no problema comum a todas as popularizações excessivas, especialmente as que, como no caso em questão, se utilizam da exposição do assunto com fins estritamente pragmáticos, e não movidas primariamente por um interesse genuíno acerca desse mesmo assunto.

Finalmente, as imprecisões conceituais, e mesmo semânticas, são abundantes. Tem-se a impressão de que os autores, embora possuam intuições essencialmente corretas sobre o tema tratado, não possuem o domínio da língua escrita necessário para transmiti-las com clareza. O resultado disso é que pesa sobre o leitor a árdua tarefa de discerni-las em meio às indefinições do texto e formulá-las mais precisamente para si mesmo.

Mas não me entendam mal. A despeito de tudo isso, o livro tem trechos instrutivos, e conservo a esperança de que os capítulos seguintes trarão contribuições interessantes à minha compreensão do assunto.

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