O trecho abaixo exprime bem o que me parece ser o principal efeito nocivo da matematização das ciências, algo que muito raramente é enfatizado pelos historiadores e filósofos da ciência, segundo tenho visto até aqui. O livro não tem referências bibliográficas, mas não posso deixar de notar uma semelhança considerável entre o que é dito aqui e a abordagem de George Steiner sobre o mesmo tema. Deste último jamais li coisa alguma, mas tomei conhecimento de suas reflexões sobre o assunto - que me pareceram, aliás, muito interessantes - graças ao meu amigo Gustavo, que resumiu bem a questão neste curto e bem escrito post, cuja leitura recomendo aos interessados.
"Darwin viu outra coisa na natureza, diferente dos campos de belos narcisos nos prados, de William Wordsworth - uma filha morta e a natureza 'rubra em presas e garras'. Não há Deus presente, ele presumiu, a não ser o deus da necessidade, uma lei fixa e elegante. Seus seguidores iriam ainda mais longe, submetendo as belezas selvagens do mundo vivo à chancela da rubrica matemática: fazendo, a todo custo, que a natureza se encaixasse na ordem matemática, reduzindo-a totalmente a números, probabilidades, taxas de mutação. Adornaram-na com vagas referências à complexidade e à teoria do caos - conversas infindáveis sobre tudo, menos sobre o organismo vivo que respira.
Para entender o que deu errado, teremos de voltar às palavras de Galileu - o pressuposto de que a matemática (para ele, principalmente a geometria de Euclides) seja tão maravilhosamente efetiva que sem sua 'linguagem [...] será impossível compreender sequer um de seus termos; sem seu auxílio, vaguear-se-á sem rumo por um escuro labirinto'. Aqui, o astrônomo e físico - maravilhado com as regularidades matemáticas que havia descoberto - permitiu que lhe fugisse a retórica. Expressou o assombroso entendimento de que a matemática é uma ferramenta efetiva para discernir a ordem da natureza, mas não é o caso de a natureza ser incompreensível sem a matemática. Esse ponto de vista, mais tarde, levou seus seguidores a crer que aquilo que não pode se resumir a expressões matemáticas não existe ou é apenas uma projeção 'subjetiva' de natureza essencialmente matemática. Em tal ponto de vista, a única linguagem significativa seria a da matemática, mas, porque nossa experiência e linguagem diárias não são governadas pela matemática, não estariam significativamente relacionadas com a realidade. Como resultado, reflexões profundas baseadas em nossa linguagem e experiência cotidianas são tidas como sem fundamento. Fora com Shakespeare, Aristóteles, Tomás de Aquino e todo e qualquer dramaturgo, filósofo ou teólogo que não fale a língua dos matemáticos! Vivam os matematicos, químicos e físicos e, depois deles, diversos agregados, cientistas sociais e psiquiatras!"
Adendo: o Gustavo também escreveu outros dois curtos e interessantes posts sobre Steiner e suas ideias: este e este outro. O amigo mencionado no primeiro sou eu.
"Darwin viu outra coisa na natureza, diferente dos campos de belos narcisos nos prados, de William Wordsworth - uma filha morta e a natureza 'rubra em presas e garras'. Não há Deus presente, ele presumiu, a não ser o deus da necessidade, uma lei fixa e elegante. Seus seguidores iriam ainda mais longe, submetendo as belezas selvagens do mundo vivo à chancela da rubrica matemática: fazendo, a todo custo, que a natureza se encaixasse na ordem matemática, reduzindo-a totalmente a números, probabilidades, taxas de mutação. Adornaram-na com vagas referências à complexidade e à teoria do caos - conversas infindáveis sobre tudo, menos sobre o organismo vivo que respira.
Para entender o que deu errado, teremos de voltar às palavras de Galileu - o pressuposto de que a matemática (para ele, principalmente a geometria de Euclides) seja tão maravilhosamente efetiva que sem sua 'linguagem [...] será impossível compreender sequer um de seus termos; sem seu auxílio, vaguear-se-á sem rumo por um escuro labirinto'. Aqui, o astrônomo e físico - maravilhado com as regularidades matemáticas que havia descoberto - permitiu que lhe fugisse a retórica. Expressou o assombroso entendimento de que a matemática é uma ferramenta efetiva para discernir a ordem da natureza, mas não é o caso de a natureza ser incompreensível sem a matemática. Esse ponto de vista, mais tarde, levou seus seguidores a crer que aquilo que não pode se resumir a expressões matemáticas não existe ou é apenas uma projeção 'subjetiva' de natureza essencialmente matemática. Em tal ponto de vista, a única linguagem significativa seria a da matemática, mas, porque nossa experiência e linguagem diárias não são governadas pela matemática, não estariam significativamente relacionadas com a realidade. Como resultado, reflexões profundas baseadas em nossa linguagem e experiência cotidianas são tidas como sem fundamento. Fora com Shakespeare, Aristóteles, Tomás de Aquino e todo e qualquer dramaturgo, filósofo ou teólogo que não fale a língua dos matemáticos! Vivam os matematicos, químicos e físicos e, depois deles, diversos agregados, cientistas sociais e psiquiatras!"
Adendo: o Gustavo também escreveu outros dois curtos e interessantes posts sobre Steiner e suas ideias: este e este outro. O amigo mencionado no primeiro sou eu.
Norma, gostaria de saber se você já ouviu falar, dentro da área das teorias organizacionais, a chamada "ecologia organizacional" (Hannan e Freeman), dentro de uma vertente econômica, a chamada "econômica evolucionária (Nelson e Winter). Ambas as abordagens ganham muito espaço dentro dos estudos mais "avançados" da sociologia/economia que forjam as teorias administrativas. Detalhe: elas têm em comum as analogias aos trabalhos de Darwin, Spencer e Lamarch, aplicadas ao contexto das firmas. Por fim, estão também amparadas com forte modelagem matemática. O que achas disso? alguma dica sobre onde conseguir uma visão crítica embasada sobre essas abordagens? Outro detalhe: sou mestrando, cristão, e tive contato com essas abordagens no Mackenzie...
ResponderExcluirgrato
RICARDO
Caro Ricardo, sinto dizer que a Norma nunca ouviu falar nesses negócios aí. E nem eu, na verdade. Estamos totalmente por fora do universo econômico e administrativo. Mas, já que o autor do post fui eu, sinto-me no dever de dizer-lhe uma coisinha que talvez ajude. O darwinismo é um fracasso parcial (a parte em que falha é, por sinal, a mais importante) no campo da biologia, mas isso não impede que ele inspire boas ideias em outros campos. Eu já vi aplicações muito úteis de princípios semelhantes na área da inteligência artificial, por exemplo. Já que você mencionou a matemática, creio que deve haver algum vago parentesco entre isso que menciono e os trabalhos que você citou. O que importa, porém, é que, a partir do que você disse, não vejo necessariamente um problema. Mas talvez isso se deva à minha completa ignorância do tema. Se quiser explicar melhor, fique à vontade.
ResponderExcluirAbraços, meu irmão!
Caro André, sua colocação me ajuda bastante, já que os economistas evolucionários valem-se do darwinismo apenas como figuração para ilustrar o processo de mudança econômica visando a contraposição da lógica neo-ortodoxa (voluntaristam racianalista e maximizadora) com uma abordagem mais determinista, onde o ambiente empresarial é marcado por variáveis como a complexidade, a dinâmica e a munificência. Não há compromisso algum com os fundamentos darwinianos, mas apenas uma inferência por indução. Por outro lado, é bem verdade que nem todos os economistas evolucionários são adeptos dessa analogia à biologia evolucionária. A esse respeito cabe menção aos trabalhos de Edith Penrose, em sua teoria sobre o crescimento da empresa, de 1959 (ela não é bem uma evolucionária, mas é bastante heterodoxa, pois passa a considerar a firma como uma organização e lança bases para a chamada teoria dos recursos, onde o papel do gestor ganha proeminência - daí a recusa à analogia evolucionária...). Há também os trabalhos de Giddens (sociólogo) e Schumpeter (economista da escola austríaca). Pois bem, no que me interesso? na influência que a teologia pode exercer na base epistemológica de outras áreas de conhecimento e nos efeitos de se não se considerar as implicações teológicas no desenvolvimento dessas áreas.
ResponderExcluirAssim como no Direito temos Carl Schimt, que explica relações da teologia com a formação dos sistemas jurídicos (e as origens da dualidade dos sistemas - o civil law e o common law), vejo que a sociologia e a economia (que originam a base teórica dos estudos organizacionais e da estratégia)carece de uma consideração teológica... Talvez Habermas pudesse ajudar? Kuyper? a epistemologia da escola holandesa? há muito o que caminhar por aí... e precisamos dessas abordagens em nosso país, não só na realidade da origem das pessoas, mas com relação às organizações.
A propósito, não sou matemático, mas um advogado, membro da IPB, reformado e cioso da falta que a apologética tem feito em nossos tempos...
Um abraço
Ricardo
http://ricardoabreubarbosa.blogspot.com
Olá mais uma vez, Ricardo!
ResponderExcluirTambém não sou matemático, e sim físico e engenheiro. Mas também reformado e membro da IPB, como você. Essa questão da busca por uma cosmovisão cristã abrangente também me interessa muitíssimo. Porém, na área da economia, da administração e do ambiente empresarial em geral, eu entendo bem pouco. Para você ter uma ideia, o único de quem já ouvi falar, dentre os que você citou, é o Schumpeter. Pelo pouco que já li a respeito, tenho certa simpatia preliminar, por assim dizer, pela escola austríaca.
Agradeço muito pelas explicações que você forneceu sobre o darwinismo na economia. Meus conhecimentos são bem limitados, mas talvez eu possa retribuir de alguma maneira. Lembrei-me de dois pensadores reformados que escreveram sobre a relação entre a teologia reformada e a economia. Talvez você já os conheça, e nesse caso peço que perdoe minha tentativa algo presunçosa de apresentá-los a você, que certamente conhece o assunto muito mais que eu. Para piorar, não li nenhum dos dois. hehe
1. Algum tempo atrás, participei de uma conversa (não muito amigável, por sinal) com o Guilherme de Carvalho lá no blog da Norma, e ele recomendou a leitura do economista holandês Bob Goudzwaard ( http://www.allofliferedeemed.co.uk/goudzwaard.htm ), que é kuyperiano. Ainda não tive tempo de conferir diretamente, mas, segundo pude inferir das posições do próprio Guilherme, os neocalvinistas não gostam muito do liberalismo econômico - o que para mim pode ser mau sinal, e parece conflitar com outras linhas reformadas, como a puritana (segundo aprendi com o Franklin Ferreira). Mas ele parece ser um bom ponto de partida para a visão neocalvinista sobre economia.
2. A Norma tem um livro chamado "The good of affluence", de autoria de John R. Schneider, professor de teologia no Calvin College. Ainda não li esse livro, mas a folheada que dei me convenceu de que se trata de coisa boa. Ele faz uma análise bíblica e histórica do capitalismo e das relações econômicas e trata do tema da prosperidade material em conexão com a vida cristã.
Essas são as únicas possibilidades que me ocorrem. Caso já conheça os dois autores e queira compartilhar comigo suas impressões acerca deles, sou todo ouvidos (ou olhos). Se resolver lê-los e quiser voltar depois para me contar o que achou, serei todo ouvidos (olhos) mais uma vez. E se quiser continuar esta conversa (ou iniciar outra) por e-mail, fique à vontade também. Meu endereço está no meu perfil.
É uma pena que eu saiba tão pouco sobre o assunto. Mas saiba que tem sido um grande prazer conversar sobre isso com você. Escreva sempre que quiser.
Um grande abraço!
Guilherme, obrigado pelo retorno e principalmente pelo site http://www.allofliferedeemed.co.uk que abre um mundo de possibilidades, inclusive na área organizacional. Apesar de tê-los procurado pelo interesse na área econômica, o fato é que estou estudando "Organizações" de uma maneira geral e nessa área não quase nada original; tudo vem da sociologia, da economia e da filosofia... Recentemente, tem prevalecido uma abordagem econômica nas discussões sobre estratégia, o que justifica o viés inicial. Vale dizer, o mainstream da economia continua sendo a ortodoxia, e todos pensamentos alternativos (heterodoxos), por não encontrar espaço nas ciências econômicas, acabam desembocando na teoria organizacional (dai a idéia da economia evolucionária, Penrose, Williamson, Granovetter, etc.)
ResponderExcluirNão conheço os autores que vc mencionou, mas estão anotados para uma leitura, oportunamente. Acrescento também Dooyeweerd, que parece ter muito o que contribuir nas suas 15 dimensões da experiência, o que abre possibilidades para diversas estudos, sobretudo na sociologia econômica, que até onde sei, deve ser pouco estudada pelos cristãos. No Brasil, tenho certeza disso... hehe.
Abraços e continuemos nos comunicando.
Ricardo
Ricardo, fico feliz que tenha gostado das recomendações. Quanto a Dooyeweerd, eu e a Norma estamos começando a conhecê-lo agora, e gostando muito. Acho que vai sair muita coisa boa dali.
ResponderExcluirAbraços, e até a próxima!
A propósito? desculpe a indiscrição... quem são vocês? da IPB? ligados a algum grupo de pesquisa? igreja? São de SP? é difícil encontrar pessoas interessadas nesses assuntos, mas graças ao bom Deus elas existem!
ResponderExcluirApresento-me melhor: sou da igreja Presbiteriana de São Bernardo e neste ano de 2010 e nos próximos, tenho, com suporte da CAPES, me dedicado integralmente à pesquisa na área de competitividade. Todavia, como professor de Escola Dominical em minha igreja, o estudo da palavra de Deus e a teologia reformada tem ocupado um lugar especial em minha vida, de um modo que tudo (o direito, a sociologia e a economia - áreas pelas quais circulo, e a própria vida) acabam estando associados à cosmovisão cristã. Por isso minha paixão pelas obras de Calvino, pelas "5 Stones" de Kuyper, por teólogos como Bavinck e Hodge, e por apologetas como Schaeffer e Pearcey.
Abçs
hehehe
ResponderExcluirBatemos o maior papo e esquecemos das apresentações. Pois vamos lá: somos, sim, membros da IPB e moramos no interior de SP, em São Carlos. Nasci na capital, e a Norma é do RJ, mas viemos parar aqui, e aqui estamos, ao menos por enquanto. Eu sou engenheiro físico, terminando o mestrado, e trabalho com aplicações de física no agronegócio. A Norma é doutora em literatura francesa, professora de francês, tradutora e revisora. Estamos noivos e vamos nos casar em breve, se Deus permitir. Não temos vínculo institucional nenhum. Nossos blogs são frutos do mero esforço pessoal de aprender e compartilhar o que aprendemos. As leituras de Calvino e Kuyper estão entre as mais transformadoras de nossas vidas.
Também gostamos muito de diálogos construtivos, como esse que tivemos. Sinta-se, pois, à vontade para comentar sempre que quiser, em público ou em privado. Já dei uma olhada no seu blog, mas pretendo retribuir à visita com mais calma qualquer hora dessas.
Um grande abraço!